Geni é uma revista virtual independente sobre gênero, sexualidade e temas afins. Ela é pensada e editada por um coletivo de jornalistas, acadêmicxs, pesquisadorxs, artistas e militantes. Geni nasce do compromisso com valores libertários e com a luta pela igualdade e pela diferença. ISSN 2358-2618

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Instrumental na prática

Uma coluna da Geni transformada em oficina. Por Thiago Fonseca

 

Publicado em 31/01/2016

 

Generx e Geni

 

Em meados de 2015, Lia Urbini, da revista Geni, se uniu a Anna Sousa, Bruna Coelho, Lucas Paolo e Luiz Pimentel para formar o coletivo GENERX. O grupo foi um dos vencedores de um edital para desenvolvimento de um projeto de mediação em arte do Centro Cultural São Paulo (CCSP). Por questões de agenda, Luiz Pimentel deu lugar a Thiago Fonseca (ilustrador da Geni), que passou a integrar o grupo assim que as atividades começaram. Ao longo de seis meses o GENERX abordou questões de identidade e diferença de gênero e sexualidade junto ao público do CCSP: frequentadorxs, convidadxs, funcionárixs. Um dos sentidos do projeto foi transpor os muros das delimitações espaciais às quais certos saberes muitas vezes se restringem. As ações visaram criar espaços para debate e circulação da pluralidade de formações, posições políticas e visões de mundo dxs participantes e mediadorxs.

 

No projeto total do Generx foram realizadas mais de 50 ações de mediação, incluindo oficinas de filosofia, atividades gráficas num ateliê, oficinas de literatura e música; houve ainda diversos encontros com convidadxs, como o encontro de mídia independente e o debate com a cartunista Laerte Coutinho. Muito diferentes entre si, as ações nos moveram bastante e um pouco do que vivemos ficou registrado no site do grupo.
As atividades que relatamos a seguir com mais detalhes são as que chamamos de Encontros Instrumentais, inspiradas na coluna “Instrumental” da Geni. Foram nove encontros, entre outubro e dezembro, gratuitos e sem seleção. Era só colar e trabalhar junto, e assim fomos conhecendo gente massa e construindo nossa maneira de fazer verbetes sobre gênero e sexualidade em grupo.

 

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Divulgando os Encontros Instrumentais

 

Foi com esse texto que explicamos a proposta dos encontros e convidamos o pessoal a chegar junto:

 

“Quando utilizamos uma teoria para responder a uma questão prática, surgida no cotidiano, muitas vezes ouvimos reprovações, baseadas em argumentos como o que estaríamos ‘instrumentalizando’ o conhecimento, isto é, banalizando-o, transformando-o em mera ferramenta ou técnica para atingir determinado fim. Mas as teorias não têm suas finalidades? Afinal, o mundo não dispensou a necessidade de ferramentas para se manter ou se transformar.

Teoria x Prática

A quem interessa, no entanto, a separação desses dois campos inventados, que denominamos teoria e prática? Ser intelectual, hoje em dia, ainda significa ser um privilegiado – privilégio que, na maior parte dos casos, só assegura e reproduz o mundo de privilégios. As teorias têm, sim, suas finalidades.

Instrumentalização!

Por isso, podemos entender a instrumentalização como uma repolitização da teoria e da técnica, e consequentemente afirmar que instrumentalizar e fazer teoria (e prática) são tarefas possíveis, e necessárias, a qualquer um, não só a quem pretende manter o mundo como está.

Vocabulário, verbetes e conceitos

A proposta dos Encontros Instrumentais é criar verbetes a partir de leituras compartilhadas de textos e obras artísticas. Ao longo do projeto, será desenvolvido um vocabulário teórico-artístico derivado das questões de gênero que mobilizem conceitos das ciências humanas e permitam sua reapropriação.”
O vocabulário que compusemos no decorrer dos encontros foi composto dos seguintes verbetes: linguagem, gênero, teoria queer, patriarcalismo, violência, androcentrismo, feminismo(s), diferença e subalternidade. Alguns deles (os com link) já haviam sido experimentados como colunas, outros foram inaugurados no coletivo mesmo.

 

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Realizando os Encontros Instrumentais

 

Ao longo das atividades pudemos desenvolver um modo de oficina que se pautou pela horizontalidade e pelo diálogo constante com xs participantxs (em sua maioria, mulheres). Abordando os temas selecionados para cada encontro, sempre a partir de disparadores artísticos e culturais (filmes, histórias em quadrinhos, poemas, músicas, quadros, literatura), a aproximação com os conteúdos foi facilitada pelo afastamento, na medida do possível, de discursos acadêmicos herméticos. Com isso foi possível construir coletivamente, a cada encontro, de acordo com o que havia sido proposto, os verbetes do dia.

 

Essa construção acabou tomou rumos diferentes daqueles previstos originalmente. A proposta inicial era de que, ao final de cada encontro, o público redigisse um conteúdo para o verbete do dia. A produção geral comporia um minidicionário. No entanto, essa dinâmica interrompia o fluxo do debate e instaurava uma separação entre “o momento da fala” e “o momento da formalização”. Ouvimos recentemente o adágio jurídico latino Verba volant, scripta manent, quer dizer, as palavras faladas voam, as escritas permanecem. Sim, lamentamos muito a referência a Michel Temer, mas o fazemos somente para negá-lo: a permanência das palavras é justamente sua morte. Numa língua realmente viva, as palavras voam, sim, transformam-se com o falar, com o viver. E esse era justamente o propósito dos Encontros Instrumentais: fazer viver as palavras. É na boca dos vivos que elas vivem. Por isso, já a partir do terceiro encontro assumimos que a construção do verbete não dependia nem requeria a formalização, na medida em que ela já estava presente ao longo do encontro inteiro, como processo construído a partir das impressões causadas pelos materiais disparadores e, principalmente, pela vivência trazida pelxs participantes.
Pudemos contar com uma espécie de turma regular, o que acabou conferindo ao programa um caráter de curso. Além delas, tivemos a presença de outras pessoas que apareceram pontualmente. O número de participantes nos assustou em princípio por ser pequeno, mas a pequena quantidade foi compensada, em todas as ocasiões, pela alta qualidade dos debates, por um vivo interesse do público, o que certamente atesta o aproveitamento da dinâmica estabelecida. Tivemos também a oportunidade de estendê-la para dois outros espaços: na escola do SESI e no curso de graduação em história do MST, em parceria com a Universidade Federal da Fronteira Sul, em Veranópolis-RS.

 

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Matéria-prima

 

No espírito do que dissemos acima sobre palavras e instrumentalização, optamos por compartilhar o material cultural, artístico e teórico que usamos como estímulo em cada encontro. São palavras escritas em slides, anotações, material de trabalho. Não são respostas prontas, mas um suporte a ser insuflado de vida. Esperamos com isso colaborar com todxs xs interessadxs em levar adiante essa instrumentalização, em outros lugares e tempos, para que essas palavras possam continuar fluindo e servindo para as transformações que tanto desejamos.

 

Linguagem

Gênero

Teoria Queer

Patriarcalismo

Violência

Androcentrismo

Feminismo(s)

Diferença

Subalternidade

 

O lado negativo, por assim dizer, de termos deixado de lado a formalização dos debates é não termos os verbetes textuais para apresentar. Eles ficaram, acreditamos, nas relações construídas e nas transformações ocorridas em todxs participantes, mediadorxs incluídxs.

Encerramos o relato com um poema feito pela Natália Yonashiro, que participou do encontro sobre Teoria Queer:

 

Tá me estranhando?

Não sou inútil, não

Sou inútil para você, feitor senhor deus do manual de instruções

                                     senhor do interesses

                                               dos lucros

                                     senhor que me chama de resto

                                                                      de troco

                                                                      de trans

Se te estranho

Se me desvio

Se nos oponho, agradeça-me: só és por eu não o ser

 

 

Mais registros: http://generxcoletivo.wix.com/generx.

 

 

Thiago Fonseca nasceu em Santos e foi morar em São Paulo no finzinho do século XX. Escreve, desenha, toca baixo e presta atenção enquanto os outros falam (tudo ao mesmo tempo).

Ilustrações: Thiago Fonseca

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