Geni é uma revista virtual independente sobre gênero, sexualidade e temas afins. Ela é pensada e editada por um coletivo de jornalistas, acadêmicxs, pesquisadorxs, artistas e militantes. Geni nasce do compromisso com valores libertários e com a luta pela igualdade e pela diferença. ISSN 2358-2618

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Dois informes de Kiev

O que a Aliança Gay da Ucrânia tem a dizer sobre a destituição do presidente Viktor Yanukovitch

Após meses de protestos massivos, desencadeados em novembro de 2013, depois do fracasso de negociações para adesão da Ucrânia à União Europeia, o presidente do país, Viktor Yanukovitch, foi deposto pelo Parlamento em 22 de fevereiro. Analistas divergem sobre a natureza desse evento político. Foi uma revolução popular? Um golpe de Estado? Os neonazistas tomaram o poder? Ou eles foram tirados do poder?

 

A Geni não pretende responder essas perguntas. Ao contrário, decidiu fazer mais uma: o que dizem os movimentos LGBT do país sobre os últimos acontecimentos? Traduzimos dois informes da Aliança Gay da Ucrânia (Gay Alliance Ukraine), organização não governamental LGBT que existe desde 2009 e que é uma das responsáveis pela organização da combativa Parada do Orgulho de Kiev.

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Aliança Gay da Ucrânia congratula a derrubada do regime de Yanukovitch

 

A organização Aliança Gay da Ucrânia apoia plenamente as mudanças revolucionárias em nosso país, pois acreditamos que sob o regime pró-russo, agora derrubado, o movimento LGBT ucraniano não teria futuro. Questões de direitos humanos não existiam para esse regime. Isso foi especialmente bem demonstrado durante a última e mais sangrenta semana do confronto.

 

Os eventos dos últimos meses mostraram que os ucranianos são capazes de tomar decisões e organizar suas próprias vidas sem uma liderança autoritária. É um passo significativo e muito encorajador para toda a sociedade e, em particular, para a comunidade LGBT. A posição madura de se responsabilizar pela própria vida fornece a oportunidade de não interferir na vida do outro, reconhecendo o direito do outro à mesma responsabilidade.

 

Temos a esperança de que, a fim de construir uma nova sociedade, a Ucrânia irá escolher o caminho da educação em vez do da proibição. Durante esses dias, a praça Maidan uniu pessoas de diferentes profissões, nacionalidades, crenças religiosas, tanto homens quanto mulheres, falantes de diferentes línguas, incluindo representantes LGBT. Isso serve como evidência do simples fato de que a amizade, a ajuda e o apoio mútuos e as aspirações comuns vão bem além de qualquer estereótipo social e cultural.

 

Mas a revolução ainda não acabou, por isso é cedo demais para tirar conclusões e fazer previsões de longo alcance. Em nossa opinião, a posição dos ativistas LGBT tem que ser muito bem medida. A Aliança Gay da Ucrânia vê a necessidade de realizar a reunião geral da organização, incluindo seus ativistas regionais, em uma mesa-redonda no fim de março de 2014. O objetivo principal do evento será o de formar uma nova visão e estabelecer novas metas para o movimento, correspondendo às realidades modernas.

 

Há muito trabalho a ser feito, mas agora a Ucrânia está de luto. Apelamos, portanto, a alguns de nossos colegas pró-Rússia, pedindo-lhes para não especular sobre a dor dos ucranianos apenas para alcançar seus próprios objetivos políticos.

Texto original publicado em 26/2/2014, disponível em:
http://upogau.org/eng/inform/ournews/pressreleases_771.html.

 

 

Revolução europeia na Ucrânia: O papel e a participação LGBT

 

Declaração de Organizações LGBT da Ucrânia em relação à situação sociopolítica causada pela incapacidade das autoridades ucranianas de assinar, em novembro de 2013, o Acordo de Associação entre a Ucrânia e a União Europeia.

 

Vale a pena lutar pela liberdade!

 

1. LGBTs – lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros – são parte orgânica, natural e integrada da nação ucraniana.

 

2. Estes dias, muitos de nós ficamos em EuroMaidans (praças Maidan, nome pelo qual ficaram conhecidas as manifestações recentes na Ucrânia) por todo o país. Mas hoje não estamos lutando pelos direitos especiais das pessoas LGBT. Estamos sob as cores do nosso país e da União Europeia como cidadãs e cidadãos ucranianos, lutando, sob elevados padrões europeus, por melhores condições de vida para nós e nossos próximos.

 

3. Consideramos que o direito à manifestação pacífica, à liberdade de pensamento e à liberdade de expressão dos nossos pontos de vista e crenças são direitos constitucionais fundamentais. As autoridades devem assegurar a implementação total destes direitos, sem restrições indevidas.

 

4. Ninguém pode ser obrigado a participar ou não participar das manifestações. Ninguém pode ser submetido à pressão ou à intimidação por causa de sua crença política ou posição cívica. Somos a favor de um país livre, com pessoas livres.

 

5. Desaprovamos a violência contra pessoas pacíficas sob todas as formas – da violência física à violência psicológica, cometida através do uso de linguagem discriminatória, humilhante e insultante.

 

6. Quaisquer discursos públicos, tanto dos EuroMaidans quanto das demonstrações de apoio ao Partido das Regiões (do presidente deposto Viktor Yanukovitch), devem estar livres das impurezas do ódio, da retórica sobre como algumas pessoas são melhores do que outras e de declarações que flertam com o racismo ou violam a dignidade humana.

 

7. Hoje, como antes, algumas forças políticas especulam sobre questões LGBT apenas para alcançar seus próprios objetivos, desviando a atenção pública dos problemas sociais urgentes e disfarçando sua incompetência por meio de uma retórica primitiva.

 

8. Hitler e Stálin reprimiram abertamente os homossexuais. Agora, no século 21, as formas de assédio às pessoas LGBT tornaram-se mais sofisticadas. Particularmente, nos dias de hoje, em meio a um confronto político-social emergente na Ucrânia, há esforços de oposição à parceria civil entre pessoas do mesmo sexo, colocando-a como socialmente inaceitável e proibindo a livre circulação de informações sobre a homossexualidade.

 

9. Aconselhamos todas as forças políticas a não tentarem restringir direitos e liberdades com base em orientação sexual ou identidade de gênero, ou por qualquer outra razão.

 

10. Infelizmente, nos últimos dias, funcionários de alto escalão têm feito declarações manipuladoras sobre uma suposta exigência da União Europeia de legalizar “casamentos gays” na Ucrânia. Claro, tais declarações, juntamente com outras tentativas de explorar o preconceito contra pessoas LGBT, são destinadas a impedir a integração europeia. Parabenizamos a retratação rápida da UE sobre a absurda reivindicação do “casamento gay” e acreditamos que tais declarações falsas, saídas da boca de funcionários ucranianos, devam acarretar em responsabilidades política e jurídica.

 

11. A discriminação baseada na orientação sexual ou identidade de gênero deve ser banida independentemente da política externa do nosso país.

 

12. Ao mesmo tempo, gostaríamos de lembrar que o princípio da não discriminação com base na orientação sexual é um dos princípios fundamentais da ordem jurídica da sociedade europeia moderna. Esforçando-se para se tornar uma parte da Europa unida, a sociedade e as autoridades ucranianas devem perceber as atuais regras da vida comunitária na casa europeia.

 

13. Dada a atual crise sociopolítica, não damos apoio incondicional a nenhuma força política, mas estamos prontos para apoiar qualquer um dos passos destinados a reforçar os direitos e liberdade humanas e acelerar a integração europeia.

 

14. Nossas organizações têm uma visão própria do futuro desenvolvimento sociopolítico do país. Oferecemos sempre essa visão para as autoridades, discutindo a nossa posição. E agora temos uma série de propostas também para a agenda civil de nossa pátria e estamos prontos para defendê-las dentro de um amplo diálogo público com instituições, forças políticas e a sociedade civil.

 

Texto original publicado em 19/12/2013, disponível em:
http://upogau.org/eng/inform/ourview/ourview_593.html.

 

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Tradução: Clara Lobo

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