Geni é uma revista virtual independente sobre gênero, sexualidade e temas afins. Ela é pensada e editada por um coletivo de jornalistas, acadêmicxs, pesquisadorxs, artistas e militantes. Geni nasce do compromisso com valores libertários e com a luta pela igualdade e pela diferença. ISSN 2358-2618

entrevista

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Entrevista com Nessa Guedes

 

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Comente um pouco sobre a sua trajetória no “mundo da tecnologia” e como esse interesse foi se tornando uma profissão.

 

Desde o adolescente eu já tinha alguns conhecimentos sobre programação, que tinha procurado por curiosidade. Comecei a usar o IRC aos treze anos, e lá aprendi o que eram scripts. Depois, aos quinze, um ex-namorado precisou fazer um site para um trabalho, e eu fiz para ele. Escrever sempre foi minha paixão e, quando fui prestar Vestibular, sonhava em ser jornalista. Mas, ao descobrir quanto ganhava um estagiário em jornalismo, desisti. Era menos do que eu já ganhava fazendo bico de telefonista, ou vendendo livros usados nos sebos de Porto Alegre. Pesquisei mais um pouco e descobri que a maior bolsa-auxílio da época era para os estagiários de informática. Então me matriculei no curso técnico em Redes de Computadores, antes de entrar na faculdade, e desde então trabalhei sempre na área.

O engraçado é que eu queria ser jornalista, porque achava legal ter a possibilidade de conhecer novas profissões e realidades diferentes da minha, a cada matéria que escrevesse. No fim das contas, nesses quase dez anos de tecnologia, eu pude atuar na área da educação, do marketing, da publicidade, da indústria, do governo e do ativismo. E fazer sistemas para essas áreas me permitiu conhecê-las de verdade. É uma profissão fantástica para qualquer jovem.

 

 

Como você percebe a sua participação e trabalho na Plano Hype? Como chegou no projeto e quais ações que você desenvolve?

 

A Plano Hype nasceu meio sem querer, em uma época que eu trabalhava para uma agência publicitária. Sempre fiz freelas de desenvolvimento de sites e aplicações para a web e, na época, fiquei sem emprego e um pouco perdida com a vida de freela. Não queria mais trabalhar com projetos na área da publicidade, que era o que pagava minhas contas, mas também não estava animada de entrar em alguma start-up ou empresa grande. Eu queria trabalhar com algo em que eu acreditasse. Queria gastar as horas do meu dia com algo que não fosse só ganhar o pão de cada dia. Assim como também queria ter liberdade para fazer meu próprio horário de trabalho − nada me irrita mais do que ter que cumprir carga horária rigorosamente, mesmo que eu não esteja a fim de trabalhar. A saída seria ser autônoma por um tempo, fazendo consultoria ou pequenos projetos por encomenda, enquanto eu resolvesse a minha vida. Resolvi me apresentar como uma empresa, em vez de profissional liberal, e começaram a aparecer projetos grandes. Como não tinha nada a perder, desde o início me coloquei como uma empresa feminista e preocupada com a sociedade. Notei que não conseguiria tomar conta dos projetos sozinha e comecei a procurar outras amigas programadoras para realizar o trabalho comigo. Quando vi, a minha empresa de uma mulher só virou uma empresa de quatro mulheres.

Nosso trabalho começou com demandas ousadas e seguimos fomentando projetos inovadores, que sejam benéficos para o desenvolvimento social. Temos sorte de conhecer muitas pessoas trabalhando com iniciativas que permitem que a gente realize esse trabalho, e que acreditam nos mesmos ideais que nós.

 

 

O que é o MariaLab Hackerspace? O que levou você a fundá-lo em 2013 e como estão as estratégias e planos de continuidade para 2015? Como você e outras mulheres atuam?

 

Eu trabalho com software livre e código aberto praticamente desde o início da minha carreira. Então sempre estive por perto das comunidades de software livre e programação. Infelizmente já temos poucas mulheres na área de tecnologia, mas, na área de software livre, temos menos ainda. Uma vez alguém me disse que isso era o mesmo que ser “um gueto dentro do gueto”. E é verdade. Uma das comunidades mais legais de que participei foi o Garoa Hacker Clube, o primeiro hackerspace do Brasil. O Garoa sempre fez e continua fazendo muitas atividades gratuitas de tecnologia ou relacionadas a esta área. Ao longo dos dois anos em que participei mais ativamente, notei que sempre apareciam mulheres nas nossas atividades, mas elas raramente voltavam ou ocupavam o hackerspace. Os homens, ao contrário, assim que percebiam que poderiam se apropriar do espaço também, logo se integravam. Assim como em todas as iniciativas parecidas que eu já tinha visto. Durante um tempo passei a observar melhor como se dava esse movimento e notei que a dificuldade das mulheres − e outras minorias − de se apropriarem desses espaços era a falta de representatividade neles. É muito difícil você se ver ocupando um espaço onde não há outras mulheres para você se inspirar − você não se sente assim tão bem-vinda.

Foi pensando nisso que chamei algumas amigas e, juntas, fundamos o MariaLab, um espaço seguro para que as mulheres se aproximem de projetos em que elas não participam por terem medo de errar, de perguntar ou porque simplesmente não se sentem merecedoras.

Embora o MariaLab tenha vindo a conhecimento público em 2013, nós conversamos sobre ele desde 2012. Até então estávamos mais “na moita”, observando tudo e pensando na melhor forma de agir. Como não temos sede ainda, nossas atividades de 2015 estão acontecendo onde nos cedem espaço. Até agora nossa principal atividade é uma oficina de segurança e privacidade na internet, que estamos ministrando por módulos, em alguns lugares que nos permitem usar o espaço de graça.

 

 

Recentemente o MariaLab participou do encontro para cocriação de políticas para Mulheres na Tecnologia, organizado pela Secretaria Municipal de Políticas para Mulheres e SP Negócios; quais são as principais políticas que estão sendo debatidas ou já foram criadas?

 

O encontro no qual participamos serviu, pelo o que eu pude entender, para que a Secretaria fizesse um mapeamento das necessidades das mulheres na nossa área. Me parece uma tentativa de identificar quais são nossas demandas e como podemos ajudá-los a entender nosso papel no cenário atual. Acredito que em breve vamos ver os frutos dessa iniciativa. Acho que a principal preocupação deles é como atrair e manter mais mulheres nas start-ups.

 

 

Hoje em dia muitas pessoas usam identidades virtuais pelas quais não é possível determinar seu gênero. O que você acha sobre a identidade de gênero na internet (redes sociais, etc.)? Podemos dizer que há um movimento mais inclusivo quanto à identidade de gênero?

 

Com certeza, mas estamos a passos de formiga. Infelizmente nem todas as empresas estão alinhadas com essa realidade. As pessoas ainda estão aprendendo o que é identidade de gênero, o que é não-binarismo, e muitas ainda estão confusas − ou o assunto ainda nem chegou ao ouvido delas. E empresas são feitas de pessoas. Ou seja, precisamos de mais políticas de inclusão e educação dentro das organizações. Fica um pouco nebuloso quando discutimos sobre quem seria o responsável por isso, ainda mais porque ninguém regula essas práticas dentro das empresas e os problemas só aparecem quando acontece algum episódio, ou alguma denúncia/reclamação em massa.

Um problema muito prático que vemos no dia a dia, por exemplo, são os formulários de cadastro nos sites. Pouquíssimos serviços, mesmo entre as grandes empresas, têm a sensibilidade de contemplar a diversidade dos gêneros quando pedem para o usuário informar o seu “sexo” em um cadastro. Vejo as pessoas que elaboram esses formulários nem se preocuparem com essa questão, fazendo tudo de forma automática. O grande problema da inclusão hoje em dia é a demanda, tudo é feito de modo a otimizar o tempo de entrega, e ficamos sem espaço para pensar, entender e estudar mais sobre os seres humanos. Afinal, a tecnologia serve para facilitar a vida das pessoas. Mas o mercado faz os profissionais esquecerem disso.

 

 

Quanto ao mercado de tecnologia, por que há tantos homens nessa área e poucas mulheres?

 

Representatividade. Os anos 1980 e 1990 fizeram um grande mal à área de tecnologia quanto à mídia de massa. Todo mundo que foi criança ou adolescente nessas décadas cresceu assistindo muitos filmes norte-americanos que retratavam uma realidade estereotipada sobre absolutamente tudo. E os programadores, nerds, geeks, etc., não passaram ilesos. Pouquíssimas séries e filmes dessa época mostram uma boa representatividade de mulheres na área. Propagandas então, nem se fala. Junte a isso às prateleiras das lojas de brinquedos, dividindo todos os brinquedos por cor e sexo. É deprimente. Como os pais, sozinhos, fariam a reflexão para criarem seus filhos de forma diferente? Não tinha como.

Inclusive, no início da era do processamento de dados, lá nos idos dos anos 1940 aos 1970, as mulheres dominavam a área. A partir do momento em que inventou-se o computador pessoal e ele virou um artigo altamente rentável, imediatamente os homens passaram a dominar. É incrível. Sempre que algo começa a dar dinheiro, tratam de encomendar um backlash para eliminar as mulheres da área. Seja através da mídia, através do assédio moral, etc.

O problema da tecnologia é a falta de representatividade. Como despertar a vontade de uma menina em virar programadora, se os grandes ícones da área são o Bill Gates, o Steve Jobs e o Marck Zuckerberg? Hoje em dia vejo um alarde enorme em torno da Ada Lovelace, que foi quem criou o primeiro algoritmo de que se tem conhecimento. Ela é a mãe da computação, não há como negar. Acho incrível o que as pessoas têm feito para ressaltar isso hoje em dia. Mas sinto uma falta profunda de falarmos do trabalho de mulheres vivas. Mulheres como a Limor Fried, que tem a maior empresa fornecedora de hardware livre no mundo e cria seus próprios scripts há décadas. Vejo que o enfoque às mulheres na tecnologia hoje gira muito em torno daquelas que estão na parte de negócios, como a Sheryl Sandberg [chefe de operações do Facebook], a Marissa Meyer [presidenta do Yahoo!]. São mulheres incríveis, sim, mas estão apenas lidando com a tecnologia, fazendo muito dinheiro com ela, não estão criando tecnologia. Precisamos da representatividade de mulheres que também fazem tecnologia.

 

“Inclusive, no início da era do processamento de dados, lá nos idos dos anos 1940 aos 1970, as mulheres dominavam a área. A partir do momento em que inventou-se o computador pessoal e ele virou um artigo altamente rentável, imediatamente os homens passaram a dominar. É incrível. Sempre que algo começa a dar dinheiro, tratam de encomendar um backlash para eliminar as mulheres da área. Seja através da mídia, através do assédio moral, etc.”

 

 

Você acredita que os esforços de trazer mais mulheres para as (grandes) empresas de tecnologia buscam a igualdade de gênero ou a criação de reserva de mão de obra?

 

Acredito que seja mais questão de demanda do que o desejo real de inserir as mulheres na área. Isso é uma opinião bem particular e não acho de todo ruim que seja esse o gatilho motivador para atrair mulheres para a área. Na tecnologia temos um grande problema de retenção de talentos, sempre ofuscado pela procura constante de mão de obra. A todo o momento temos demanda de novas tecnologias e sistemas para otimizar todo tipo de processo, desde a indústria e o agronegócio até a educação e o entretenimento. Ou seja, o meu palpite é que programadores vão ter trabalho garantido pelas próximas décadas. E as mulheres estão mais que cotadas para ocupar esses cargos, principalmente porque a tecnologia é um meio e é através do meio que se obtém o controle de como as coisas funcionam. Se não tivermos mulheres, pessoas negras, pessoas trans e todo tipo de minoria detendo o conhecimento do meio, não tem como mudarmos o produto final do mundo em que vivemos.

 

 

Como você vê a atuação de pessoas trans no mundo da tecnologia? É possível identificá-la?

 

Conheço apenas duas mulheres trans na área. Sei que existem mais, principalmente fora do Brasil. Nunca cheguei a trabalhar com uma pessoa trans, que eu saiba, e olha que já passei por muitas empresas. Acho que isso nos mostra um pouco do cenário. Demorei mais de dois anos até tomar conhecimento de que uma amiga programadora era trans. Na ocasião chamei a atenção da pessoa que me contou, pois não sabia se era desejo da minha amiga que eu soubesse. Depois fiquei sabendo que era de conhecimento público.

O mercado de tecnologia é vasto, e algumas profissões dentro dele permitem que as pessoas tenham muita flexibilidade sobre com quem e onde vão trabalhar. Isso pode beneficiar muita gente, inclusive as pessoas trans. Acho uma carreira promissora para quem busca autonomia nesse sentido.

 

 

Como é (e foi) ser mulher e trabalhar em empresas de tecnologia?

 

O meu primeiro estágio na área, fora os freelas, foi como faz-tudo em uma empresa que prestava serviços de consertos de computadores. Na época o dono da empresa era meu colega do curso técnico, onde eu era a única mulher do turno, e ele me chamou para trabalhar justamente por ser mulher, ele me disse que isso era um “diferencial”. Topei na hora e no dia seguinte lá estava eu abrindo máquinas, descobrindo seus defeitos e consertando-as. Eu trabalhava atrás da cortina da área técnica e os clientes demoraram alguns meses para entrar em contato direto comigo. A maioria deles eram garotos gamers que tinham computadores com placas de vídeo caríssimas e contratavam nossos serviços para instalar essas placas, aumentar a memória do computador, trocar de processador, etc. Eles sempre ficavam surpresos de saber que tinha sido eu quem havia feito a maioria desses upgrades nas máquinas. Uns não gostavam, mas aí eu já tinha mexido no computador deles mais do que eles mesmos, não tinha muito o que fazer, haha. Eu era uma boa técnica. Nunca tive problemas com os colegas de trabalho naquele emprego, acho que os caras até curtiam me ter por perto.

Eles sempre vinham desabafar sobre os relacionamentos deles comigo, e eu nunca entendia por quê diabos aquelas pessoas me contavam coisas íntimas da vida delas sem sermos amigos. Depois de um tempo eu saquei que, por ser mulher, eles automaticamente assumiam que eu tinha mais tato para lidar com problemas pessoais. Olha, eu devo ter dado muito conselho furado na época, afinal, eu tinha só dezesseis, dezessete anos. Mas ok. Espero que eles tenham sobrevivido.

Depois trabalhei em uma empresa de desenvolvimento de software onde tínhamos quase metade do contingente de programadores formado por mulheres recém-formadas na faculdade. Foi lá que me senti motivada a permanecer na área. Ter aquelas mulheres como exemplo perto de mim foi essencial. Mantenho contato com a maioria delas, continuam sendo meus grandes exemplos (vontade de mandar um beijo para Xuxa, para minha mãe, para o meu pai e para todas elas! haha). Depois desse emprego, ainda morando em Porto Alegre, recebi meu primeiro cargo de gerência, pouco antes dos vinte anos. Foi uma experiência única e transformadora. Encontrei um pouco de resistência com alguns colegas da época, nunca soube se era por ser mulher ou por ser muito nova, mas deveria ser uma mistura de ambos. Minhas primeiras experiências reais de machismo no trabalho aconteceram quando me mudei de Porto Alegre para São Paulo e comecei a trabalhar em agências de publicidade. Aí não era um problema de machismo na tecnologia em específico, mas sim de um machismo geral que existia dentro das agências − e que qualquer pessoa pode perceber que se reflete na maioria das peças publicitárias que vemos por aí.

 

 

Dizem que a área de tecnologia paga bem. Isso é verdade? As diferenças salariais entre homens e mulheres são similares como em outras áreas?

 

Com certeza os pisos salariais são maiores em tecnologia, mas já percebi que varia muito de empresa para empresa. Algumas pagam 1500 reais para um cargo júnior, outras, 4000. Depende sempre do faturamento da empresa, do contingente de funcionários e dos benefícios envolvidos. Os salários maiores são mais frequentes, principalmente por causa do problema de retenção de talentos. Querendo ou não, se qualquer empresa hoje em dia ficar sem suporte de TI, ela simplesmente não funciona. Todos nós somos dependentes. Então empresas que fornecem sistemas são muito bem pagas, para garantir o funcionamento de tudo. Também tem a outra face da moeda desse salário gordo: o estresse. A área é muito estressante como um todo, seja para o administrador de redes, seja para o analista de testes ou para o programador. É muita responsabilidade e pressão. E você lida com lógica e matemática o tempo todo, não é qualquer um que aguenta. Por isso mesmo tem muita rotatividade de pessoas na área, porque mudar de ares, respirar um pouco, é preciso. Não é à toa que as start-ups são famosas por seus ambientes descontraídos e horários flexíveis. Até o Google é famoso por isso. E não acontece porque os gestores são pessoas exemplares e se preocupam absurdamente com o bem-estar mental das pessoas. Isso acontece porque as empresas precisam que os programadores queiram ficar o máximo de tempo possível dentro do escritório.

Temos um problema de diferença salarial entre homens e mulheres, sim, mas não sei mais do que leio em pesquisas ou escuto por aí. Já tive situação em que percebi que ganhava menos que colegas homens, sim, mas assim que descobri não hesitei em colocar o meu trabalho e o deles lado a lado perante a diretoria, exigindo uma justificativa para ganhar menos. Inclusive no meu último emprego, antes de abrir minha empresa, descobri que (apesar de ser a pessoa menos qualificada academicamente e de ser a mais nova) eu ganhava mais que os meus colegas homens e mulheres. Atribuí esse fato à minha cara-de-pau em pedir aumentos quando decidia que merecia. Claro que nunca foi uma coisa sem noção, acho que sempre tive bastante autocrítica, mas sabia reconhecer quando o meu trabalho era bom e deveria ser valorizado. Descobri isso aos trancos e barrancos, mas no fim fez um bem enorme a minha autoestima e me senti mais segura para dar passos maiores.

Uma vez fui pedir demissão em um emprego onde me pagavam muito mal, e uma das justificativas que dei para minha chefe da época era o salário. Iria ganhar o dobro na empresa para onde estava indo. E ela teve a pachorra de me perguntar se eu precisava mesmo de dinheiro, porque achava que o meu pai me sustentava em São Paulo, por isso me pagava menos. Eu me descontrolei completamente e caí no choro. A despeito do meu pai realmente não ter condições de me sustentar se precisasse, achei a situação tão absurda que decidi ali mesmo que jamais seria passada para trás nesse quesito. Decidi que nunca mais iria ganhar mal na vida. Acho que o trauma funcionou.

 

 

Mesmo “pagando bem”, vemos no Brasil que há poucas pessoas na área (em concursos públicos, por exemplo, o índice de candidatos por vaga é menor para tecnologia). Por que você acha que isso acontece?

 

Essa pergunta é difícil, são muitos fatores para se pensar. Acho que a TI [Tecnologia da Informação] é um bicho de sete cabeças para muitas pessoas, e a maioria desiste já no início. O problema é que ninguém conta para elas que o que a gente mais faz no início da carreira é quebrar a cara. Tecnologia você só aprende errando mesmo. Não tem jeito. E também tem uma questão de perfil − os melhores profissionais de TI são autodidatas e preguiçosos. Juro. Isso pode servir para o bem ou para o mal. Uma pessoa que não é minimamente autodidata e não está disposta a procurar pela raiz do problema à exaustão não vai gostar muito da área. Tem essa parte mais “investigativa” que a gente precisa ter − acho que um termo melhor seria “curiosidade intermitente”. E a questão da preguiça é engraçada, mas é real. Sistemas são feitos para facilitar a vida das pessoas, não para atrapalhar. Para você pensar e desenvolver um bom sistema, tem que estar procurando reduzir o trabalho para operá-lo o mínimo possível. E isso pode acarretar longas noites de sono perdido, para pensar e fazer o sistema tão completo e eficiente, que você nunca mais vai precisar pensar nele. Por isso digo que somos “preguiçosos do bem”, porque a gente trabalha muito para poder ter o mínimo de trabalho possível depois. Inclusive, acredito que seja por isso que o conceito de open source e de hack tenha se adequado tão bem à tecnologia. Porque faz sentido compartilhar o conhecimento, desconstruir para melhorar, e tornar o mundo mais acessível.

 

 

Às vezes, quando há palestras, websites, entrevistas sobre tecnologia voltada para mulheres, ainda se vê um reforço do estereótipo feminino (delicadeza, tons rosas, maternidade, dona de casa…). É coisa da nossa cabeça ou você também sente isso?

 

Tem sim, mas está diminuindo. A galera está abrindo a boca e reclamando, acho lindo. As mulheres têm percebido que não estão ali para enfeite ou para reproduzir estereótipos equivocados. Acho que esse tipo de ação tem cada vez mais recebido respostas negativas do público-alvo.

Acho que temos apenas dois problemas nos eventos de tecnologia hoje: mulheres expostas nos estandes das empresas, panfletando em roupas apertadas e apelativas, e a falta de palestrantes mulheres falando de assuntos que não sejam “gênero e tecnologia”.

 

 

Nos ambientes que discutem tecnologia, como encontros, eventos e até mesmo no próprio mercado, como você percebe a diversidade racial e de classes?

 

A maioria dos profissionais de TI ainda são homens brancos, classe média, heterossexuais. Fato. Existem exceções obviamente, mas o perfil geral do profissional é esse. E, como eu disse antes, é preciso ter diversidade no meio das pessoas que desenvolvem o sistema, para que a diversidade do mundo seja contemplada. Acho que o cenário está mudando, mas muito lentamente. Precisamos de mais políticas de inclusão dentro das empresas, com efetividade, para eliminar essa padronização da equipe de TI.

 

 

 

 Ilustração: Nara Isoda

 

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