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Os refugiados sírios homossexuais lutam para sobreviver no Líbano

Testemunhos da dupla discriminação. Por Khairunissa Dhala

 

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                                                                                               Texto publicado no blog da Anistia Internacional de Direitos Humanos, LIVE WIRE, em 12 de fevereiro de 2014.

 

Quando Khalil*, 26 anos, entrou no Líbano depois de ter fugido da guerra e da crise humanitária na Síria, pensava que sua vida iria, finalmente, dar uma virada positiva.

 

Uma noite, porém, foi astuciosamente seduzido para ir a um encontro com dois homens. Ele afirma que eles o estupraram antes de roubar seu celular e o dinheiro de sua carteira.

 

Khalil nunca deu parte deste estupro à polícia. Ele é um refugiado e também um homossexual. Temia ser punido e tinha medo de que ninguém se preocupasse com o que lhe havia acontecido.

 

Tentou se suicidar e um amigo, felizmente, o encontrou a tempo e o levou ao hospital.

 

Ainda que o Líbano seja muitas vezes percebido como mais tolerante que a maioria dos países da região, o Código Penal considera como ilegais os “atos homossexuais”, assim como na Síria. Se por um lado a comunidade das lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e intersexuais (LGBTI) vem ganhando importância, ainda assim a questão permanece sendo um tabu.

 

Como aproximadamente um milhão de refugiados sírios, Khalil foi morar no Líbano. Ele afirma sofrer discriminações cotidianas em decorrência de sua nacionalidade e acrescenta que, como gay, sofre ainda mais.

 

A maioria dos refugiados sírios no Líbano se registra no Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (HCR), a fim de obter ajuda. Fiquei sabendo que muitos homens gays não revelam sua identidade sexual no momento em que se registram no HCR como refugiados, por medo de serem rejeitados.

 

Aqueles que se registram afirmam que agentes do HCR frequentemente colocam dúvidas com relação a eles serem homossexuais antes de lhes dar assistência e que não se mostram sensíveis às suas necessidades.

 

A maior parte diz que não encontrou a segurança que procurava ao sair de seu país de origem.

 

Omar*, 34 anos, deixou a Síria pelo Líbano em novembro de 2012. Em seu país natal, ele tinha medo de que os militantes islâmicos que haviam tomado o controle de sua cidade o perseguissem por ser gay. Mas ele sempre lutou para se sentir seguro.

 

“Em geral, não me sinto nem seguro nem estável. É pior para mim, porque sou gay e sírio. A discriminação é dupla”, ele diz.

 

Uma vez estando no Líbano, a maioria dos refugiados da Síria fica exposta ao custo elevado de vida e à falta de ajuda disponível.

 

Em razão das dificuldades financeiras, que podem vir a encontrar para ter acesso aos serviços, os refugiados contam cada vez mais com a ajuda de terceiros. Consequentemente, estão vulneráveis e correm o risco de se tornarem prisioneiros de relações violentas por não terem para onde ir.

 

Hamid*, 26 anos, chegou no Líbano em 2011 e começou a viver com um namorado libanês, que era violento. Ele confessou ter apanhado e ter sido obrigado a ter relações sexuais com os amigos desse homem.

 

“Ele me machucou muito, quebrou minha perna e me deu socos na orelha, e hoje eu não escuto muito bem. Eu nunca saía de casa porque não sabia para onde ir. Tolerei os socos… Ele ameaçou me pôr para fora se eu me recusasse a ter relações sexuais com os convidados dele”, conta.

 

Em novembro de 2013, Hamid fugiu e passou duas noites na praia antes de se registrar no HCR. Ele tem hepatite B, um vírus que atinge o fígado, e informou o HCR de sua doença.

 

O custo do tratamento para uma doença crônica como a hepatite B é muito alto, e nem a ONU nem o sistema de saúde libanês arcam com essas despesas.

 

Hamid pôde fazer o teste para confirmar o diagnóstico, mas o tratamento no Líbano custa 3 mil dólares por mês e ele não tem o dinheiro para isso. Também não tem condições de trabalhar e tem medo de ficar doente e sozinho, sem ninguém para cuidar dele.

 

Como não recebe nenhum outro tipo de assistência e não vislumbra nenhuma possibilidade de conseguir um auxílio médico, Hamid está desesperado a ponto de considerar voltar a viver com o homem que lhe batia.

 

Khalil, Omar e Hamid esperam se restabelecer em um país onde não terão medo de dizer que são homossexuais e poderão ter acesso a serviços médicos e direito ao trabalho.

 

Até lá, eles tentarão sobreviver no Líbano da melhor forma possível.

 

 

*Todos os nomes foram alterados a fim de proteger a identidade das pessoas que aceitaram dar seus testemunhos.

 

Khairunissa Dhala é pesquisadora sobre os refugiados da Anistia Internacional.

Tradução: Cícero Oliveira

Ilustração: Emilia Santos.

 

 

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