Geni é uma revista virtual independente sobre gênero, sexualidade e temas afins. Ela é pensada e editada por um coletivo de jornalistas, acadêmicxs, pesquisadorxs, artistas e militantes. Geni nasce do compromisso com valores libertários e com a luta pela igualdade e pela diferença. ISSN 2358-2618

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Os esquecidos

Ensaio fotográfico de Paula Sampaio a partir da experiência com a população atingida pela barragem de Tucuruí. Por Gui Mohallem e Lia Urbini

Publicado em 16/06/2015

 

Zoom out Contexto das lutas dxs atingidxs por barragens

 

Na edição especial sobre campo, não poderia faltar menção à população atingida por barragens.  Em dados bem defasados, do ano de 2000, já se tinha, pelo levantamento da Comissão Mundial de Barragens, duas mil barragens no Brasil. Para que elas fossem construídas, um milhão de pessoas foram desalojadas, sendo 70% delas sem indenização. Não existem dados oficiais atuais que contabilizem (dentro do que pode ser contabilizado) os prejuízos decorrentes das construções.

 

Mais de dez anos depois, e com dois PACs (Planos de Aceleração do Crescimento), a situação só piorou. Com muita pressão da população atingida, incluindo entre outros os esforços do MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens), principal movimento social que desde o final dos anos 1970 articula as lutas nessa frente, o Estado deu alguns poucos passos em relação ao reconhecimento de sua dívida com os atingidos ao longo da década.

 

Estudos foram incluindo na contagem dos “atingidos” também as pessoas que acabam não se deslocando, mas que têm suas vidas afetadas pelas construções. Não-proprietárixs também passaram a ser levados em consideração, e são muitxs. Direitos dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais passaram a ser mencionados. Em 2006 foi criada uma comissão especial denominada “Atingidos por Barragens” dentro do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, com o intuito de acompanhar as denúncias de violações de direitos humanos em processos envolvendo o planejamento, licenciamento, implantação e operação de barragens. No relatório final da Comissão, lançado quatro anos depois (outubro de 2010), é apresentada uma lista dos perseguidos politicamente pela luta contra os direitos humanos desrespeitados, que teriam seus processos novamente analisados; um levantamento de cada barragem realizada e as correspondentes denúncias de violações; e são estabelecidos protocolos para melhoria do recebimento das denúncias. Também foi lançado o decreto nº 7.342 da Presidência da República, instituindo o cadastro socioeconômico para identificação, qualificação e registro público da população atingida por barragens. Por fim, no ano passado, o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), atendendo a uma histórica reivindicação dos movimentos sociais, lançou uma metodologia para o diagnóstico social, econômico e cultural dos atingidos por barragens.

 

No entanto, a pressão dos setores de construção e da indústria, em sentido contrário ao dos movimentos, também continua, e tem o poder de tornar letra morta os poucos pontos regulatórios do governo. Mesmo com novas recomendações em termos de participação da população afetada no planejamento das obras, o que se percebe é, em geral, a criação de novos mecanismos de transgressão de direitos (Impasses e controvérsias da hidreletricidade; Desenvolvimento, conflitos sociais e violência no Brasil rural: o caso das usinas hidrelétricas; entre tantos). O processo de contrução de usinas como a de Jirau (Rondônia) e de Belo Monte (Pará) esta, prometendo ser a terceira maior do mundo , segue violentamente, nas palavras do MAB, alagando biografias com este modelo específico de desenvolvimento.

 

Pensando sobre como fazer um recorte de gênero e sexualidade dentro desse assunto, dois projetos de resistência nos vieram a mente. Um deles foi o documentário financiado com vaquinha eletrônica que acompanha mulheres de cinco regiões do país cujas vidas foram afetadas pela criação de barragens. O aumento do assédio sexual, do tráfico de mulheres e de estupros são algumas das decorrências mais imediatas, e atinentes às mulheres, de tais empreendimentos, e a criação de uma rede de bordados de denúncia está em vias de se transformar em vídeo impulsionado pelo MAB.

 

O outro é o potente trabalho fotográfico de Paula Sampaio, que conversou conosco e nos presenteou com imagens exclusivas acrescentadas às de seu ensaio Lago do Esquecimento, que detalhamos nesta edição.

Clique na imagem para abrir a galeria de fotos

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Zoom in Lago do Esquecimento

 

No meio de um discurso dominado pela estética, o posicionamento de Paula Sampaio, fotógrafa mineira radicada em Belém, gira em torno da ética. Um olhar dedicado às populações que vivem às margens das rodovias que cortam a Amazônia, sobretudo a Transamazônica e a Belém-Brasília. Um compromisso de vida em preservar as tradições atravessadas pelo desenvolvimentismo. Antes de fotografar alguém, mesmo que seja uma pessoa parada na estrada, ela conversa e pede sua autorização. As imagens são feitas de acordo com a vontade dx fotografadx, num gesto de extremo respeito. “Posso ter perdido muita foto, mas não perdi a dignidade”.

 

Desde 2011,  Paula Sampaio tem visitado as comunidades que vivem nas ilhas formadas pelo chamado lago de Tucuruí, Pará, criado artificialmente por conta do represamento de água para a usina de mesmo nome. Tucuruí foi terminada em 1984 e ainda é a segunda maior do país, responsável por 18% da energia produzida no Brasil. Ironicamente, a população daquela área não tem acesso a energia elétrica. Também não tem acesso a serviços públicos de saúde e educação.

 

Isolada nas mais de 1000 ilhas formadas pelas terras altas, essa população de mais de 6000 habitantes sofre, entre outras coisas, com a falta de água no verão. O nível da água baixa muito. Desaparece a fonte de água e de transporte. O empreendimento também obrigou as etnias Gavião e Baracanã a se deslocarem de seus territórios.

 

O ensaio Lago do Esquecimento que publicamos nesta edição da Geni é a resposta de Paula Sampaio ao pedido que seu Jurandir fez pra ela, em 2011. “Dona, fale pras pessoas que a gente existe aqui”.

 

Nas imagens não vemos os rostos das pessoas, mas fantasmas formados pelas silhuetas das árvores secas que parecem brotar da superfície alagada. Nos rastros da floresta, que ali existia, Paula captura cenas de afogamento, agonia e dor. A publicação, financiada pelo prêmio Marc Ferraz de fotografia de 2012 reune uma série de relatos contundentes dessa população ilhada e esquecida, vale conferir. Download gratuito aqui.

 

 

 

 

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