Geni é uma revista virtual independente sobre gênero, sexualidade e temas afins. Ela é pensada e editada por um coletivo de jornalistas, acadêmicxs, pesquisadorxs, artistas e militantes. Geni nasce do compromisso com valores libertários e com a luta pela igualdade e pela diferença. ISSN 2358-2618

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FARÓIS ACESOS | Dança dos Sete Créus

O esgoto do mundo deve estar entupido, porque está saindo merda por todos os lados. Por Neusa Sueli

 

 

Eu ia falar da margarina, da gasolina, da Carolina, xingar muito na internet, mas acho que não vou caetanear o que há de bom dessa vez não, gente (mesmo porque, vamos combinar que bom, bom não tá não, né?).

Mês passado não foi fácil para ninguém e, como estou até agora sem saber direito o que pensar, compartilho  com vocês esses momentos meus.

 

Balde de gelo: jogar noção na cabeça que é bom ninguém quer, né?

 

Vocês devem ter acompanhado neste último mês um mar de celebridades e subcelebridades no mundo todo pegando a sua fantástica câmera Youpix, colocando no banheiro, pegando um balde com gelo e jogando água na cabeça, né?

 

 

ice bucket challenge neusa sueli  cecilia silveira

 

 

O que começou como uma campanha e uma forma de dar visibilidade a uma enfermidade degenerativa e muito pouco conhecida, a esclerose lateral amiotrófica (cuja sigla é ELA), virou nada menos do que uma histeria coletiva. A despeito das pessoas bem intencionadas e que se mobilizaram realmente para ajudar àqueles que têm ELA (existem vários, tanto aqui quanto no exterior), que é uma doença fatal, parece que, de repente, jogar um balde com água gelada na cabeça virou uma espécie de selfie: todo mundo que é cool (leia-se “cu”) precisava fazer e postar nas redes sociais.

Particularmente, eu nem conhecia a doença e acho que campanhas que visem esclarecer e dar visibilidade, além de arrecadar fundos para pesquisa, são sempre bem-vindas, assim como os anônimos e as personalidades que se engajam nelas. O que me irrita cada vez mais e me dá vontade de sair na rua distribuindo tabefe é o oportunismo do povo que não se deu nem o trabalho de ler o verbete da Wikipédia sobre o assunto, e saiu gravando vídeo sem fazer doação nenhuma.

Para esses, meu recadinho: já que estão todos jogando baldes de água fria na cabeça para apoiar a campanha (isso em época da Cantareira acabando-se na seca, mas “viva o ativismo virtual”), sugiro que, depois de água gelada, as mesmas pessoas joguem água de chuca na moringa, filmem e ponham no Porntube com a tag #scatology.

 

 

ice bucket challenge merda cecilia silveira

 

 

Trata-se, a meu ver, de uma harmonização entre o que elas têm dentro e fora da cabeça, porque a esclerose pelo jeito não é lateral só, né moçada? É TOTAL.

 

Vocês estão realmente viciados em cocô gourmet, né?

 

 

coco gourmet revista geni cecilia silveira (1)

 

 

Campanha pela volta da noção às nossas vidas ninguém quer fazer. Aliás, desafio esse povo que estava jogando balde d’água na cabeça a pegar o balde e enfiar no cu também. É um movimento que estou lançando para ver se o pessoal expande um pouco os horizontes.

Quer ajudar campanha, ajude; simples assim. Sair por aí se autopromovendo às custas de uma doença séria é, para dizer o mínimo, sórdido. Nem esse balde de água gelada vai salvá-los de queimar no inferno. Cambada de sem noção!

 

 

O Templo de Salamão

 

Outra coisa que bombou no mês passado foi a inauguração do novo point de São Paulo, o Templo de Salamão, da Igreja Universal do Reino de Deus.

Estava vendo o Cidade Alerta e praticando garganta profunda numa garrafa de Ypióca (a prática leva à perfeição) em casa quando, ao mudar de canal, vi a transmissão ao vivo da inauguração de um novo lugar em São Paulo. Aumentei o volume e vi que a nova balada da cidade ficaria no Brás e  era uma réplica do Templo de Salomão, aquele da Bíblia (só sei que está lá, porque nunca li, sorry).

Como era festa, eu não pensei duas vezes: se ia ter comida, bebida e gente se encoxando, me chama que eu vou. E eu fui, mesmo sem ninguém me chamar.

Dei uma olhada na gaveta da cômoda no meu guarda roupa, cheio de peças babado-confusão-e-tapa-na-cara e, ao analisar meu close (é assim mesmo, sem “t”, porque guarda-roupa de biscate é pura fechação), me dei conta de que a única vestimenta que poderia ser usada naquela ocasião era uma fantasia de odalisca que tinha vestido numa micareta no Largo do Arouche no carnaval do ano passado.

A saia era meio comprida para o meu gosto, mas tinha uma fenda cavadinha e o babado era certo: fino, sensual, uma coisa meio mil e uma noites. Tirando o sutiã transparente, certeza de que ninguém nem ia notar. Para não correr riscos, cortei duas pombas de um jornal que tinham me dado na rua, colei nos mamilos e ficou ó-t-i-m-o! E lá fui eu fazer a Salomé: scusi sociedade, mas eu sou…

 

 

destruidora mesmo sangalo iurd cecilia silveira revista geni (1)

 

 

Lá estava eu, então, knocking on the Heavens’ door (with lasers, claro). Peguei uma lotação que me deixou em frente à igreja, que estava bombando mais do que baile funk em dia de Gaiola das Popozudas. Aliás, como era grande minha gente.

Me senti no Oscar; nem na Parada Gay de 2002 (#saudades) eu tinha visto tanta gente montada – Foi meio #choquedemonstro.

Tinha chapinha, calça de brim, terno italiano, trança, tapete vermelho, canhão de luz, helicóptero, coluna jônica, coluna dórica, coluna vertebral, coluna social – enfim, estava quase achando que a Cher ia descer a qualquer momento e cantar “Believe”, fechando aquela rave com chave de ouro em Cristo.

O pessoal, diga-se de passagem, brilhava mais do que maiô em reality show de drag queen (#atóronperigón). A primeira impressão era que aquela nova casa de Deus simplesmente AHAZAVA e lacrava a fé das inimigas #sqn.

Logo na entrada, avistei uma fila imensa, cheia de gente vestida de preto. Até pensei que era enterro de personalidade, mas não tinha cemitério por ali, desencanei. Depois fiquei desconfiava de que  havia me enganado e tinha entrado na fila de distribuição de pãozinho de Santo Antônio, mas o pessoal estava muito na estica, não podia ser. Ia dar o famoso truque do “tenho nome na lista, sou amigue do dono, scusi”, mas carteirada na balada não colava ali: diziam que o proprietário era Deus, e não adiantou eu dizer que o Vavá (“Jeová” para vocês não têm intimidade) era meu brother porque todxs xs presentes se diziam filhx do dono.

(Em tempo: vocês falam em controle de natalidade, mas aparentemente Deus pode ter quantxs filhxs quiser e ninguém diz nada, né?)

Na fila, todo mundo olhava insistentemente para mim e parecia meio indignado. Comecei a ficar nervosa, mas acho que essa reação era efeito da maquiagem lynda que eu estava usando (não sei o que o povo tem contra tons flúo e glitter). Mas eu, que sou dyvah, nem tchum: meu salto é tão alto que o ar aqui em cima fica até meio rarefeito e o som não se propaga, désoleé.

Fiz a Kátia Cega e entrei na frente de uma família distraída #soyesperta. Quando dei por mim, já estava lá dentro.

Minha gente… vocês sabem que eu já vi coisas grandes na vida [risos abafados], mas AQUILO ERA VANDALISMO. O negócio era simplesmente maior que o Cine Arouche. O povo ali estava todo uniformizado, parecia até clipe da Beyoncé!

Fiquei tão estarrecida que até fui falar com uma moça que obrava ali, mas em vez de me explicar o que era aquilo, ela veio com os números (me senti no bate-papo da UOL): Nosso templo tem “126 m de comprimento, 104 m de largura, 55 m de altura, DOIS subsolos [tá quase perto do inferno, né?], 36 salas de escola bíblica, estúdios de televisão e rádio, auditório para 500 pessoas e estacionamentos para quase dois mil carros (!), 59 quitinetes, 12 apartamentos com 1 suíte e 13 de duas suítes” [http://pt.wikipedia.org/wiki/Templo_de_Salom%C3%A3o_(IURD)].

Aliás, a mulher quase gozava quando dizia que as pedras dali foram todas trazidas de Israel. Eu fiquei me perguntando se no Brasil não tinha pedra ou se as pedras daqui são diferenciadas, mas achei melhor ficar na minha, porque ela falava como se estivesse gozando misticamente. Ah, e fiquei sabendo também que as cadeiras dali haviam sido TODAS IMPORTADAS DA ESPANHA. Novamente, me questionei se não dava para encomendar em Embu das Artes, mas guardei meu pensamento para mim – vai que Deus não curte artesanato, né? A menina que estava falando comigo revirava tanto os olhos ao falar “cadeiras da Espanha”, que na hora lembrei disso aqui e não conseguia parar de rir #beijoluisamarilac

Ela me olhou com desdém, mas nem estava prestando atenção no momento porque reparei que ao meu lado estavam a presidenta Dilda, o pastor Edi Macedo, o governo-anal-dor de São Paulo Geraldo Alckimin, e mais um monte de políticos brasileiros. Minha primeira reação foi ir lá sentar a mão na cara do Alckimin, porque lembrei que tinha ido para aquela rave sem tomar banho (não tinha água no bairro).

Depois reparei que a Dilda estava também em colóquio muito amistoso com o Edi e achei o fim. Quando tem votação de lei pró-LGBTT essas amigues não aparecem, né? Agora quando inauguram igreja, todxs comparecem. Bando de cu sem pregas!

 

templo salomão edir macedo dilma brasil cecilia silveira revista geni

 

Estava indo descer o tamanco na cara daquele povo, mas parei quando vi que tinham aberto os portões e que todo mundo estava começando a entrar. Fiquei desesperada, porque as pessoas iam começar a pegar os salgadinhos e os petit fours, e eu não tinha conseguido encher a bolsa ainda. Fui correndo para a mesa do buffet.

Chegando lá, um povinho começou a torcer o nariz para mim, me medindo de cima a baixo e dizendo que eu não tinha credencial, que meu vestuário era indecente. Eu olhei bem nos olhos de uma rapariga dos infernos e disse para ela que indecente era aquele lenço horroroso que ela usava no pescoço, que ela devia aproveitar aquilo e se enforcar. A amapô começou a me ameaçar com uma Bíblia e quase surtou quando eu perguntei se ela achava que o Vavá atendia mais rápido gente que rezava de Chanel e Dolce & Gabbana. “Blasfêmia”, “meretriz”, “Satanás” ela gritava.

Essa biscate me acertou com a Bíblia dizendo que eu estava blasfemando, e aí eu não tive dúvidas: pus minha pomba para girar. Esse povo tá pensando o quê?! Eu sou pobre, mas tenho bilhete único! Comecei minha dança dos sete créus na velocidade 5: gritava, batia cabelo, chacoalhava os peitos, fazia a águia! Tirei a roupa (o clima esquentou) e fiquei só de calcinha e sutiã (mentira, não uso). Sambei só de calcinha e as duas pombas nos mamilos, que batiam asas aliás.

Todo mundo começou a me olhar, e, de repente, apareceram uns 40 seguranças – o que me deixou com mais fogo no rabo (atóron, scusi). Acho que foi aquela recalcada que chamou. Comecei a fazer a Salomé odalisca e ia pedir a cabeça do Edi na bandeja, mas pensei melhor e só pedi para eles fazerem fila indiana que eu ia dar atenção (e outras coisas, risos) para todo mundo #soyfogosa. Bem, infelizmente me puseram para fora, mas deu tempo de pegar o telefone de todos antes, e a gente marcou de fazer um grupo de estudo da Bíblia em casa (eu ajoelho e rezo, vocês sabem).

Resumo da ópera: voltei para casa de busão, com frio e meio chateada por não ter pegado ninguém. Mas pelo menos minha bolsa estava cheia de quitutes IMPORTADOS DA ESPANHA, porque vocês sabem que agora tudo na casa de Deus tudo vem da ESPANHA.

Meu povo, uma dica: quer construir templo, constrói; quer fazer open house nele, faça; quer chamar as amigues uniformizadas para orar com fervor, chame. Isso aqui é um país livre. Mas essa ostentação toda já deu, né? Vocês saem por aí criticando o pessoal do funk porque eles gostam de mostrar que têm aqué e roupa de marca, mas, aparentemente, esquecem que estão fazendo a mesma coisa. Quer dizer que ostentar em nome de Jesus pode? Vestidinho Yves Saint-Laurent e bolsa Louis Vuitton para ir louvar Nosso Senhor pode, então? Ah… aí não é ostentação, é benção. Cadê o bom senso de vocês em Cristo?

 

Marina Silva, a Indecizinha da Estrela 

 

Época de eleição é sempre aquela coisa linda: gente xingando muito na internet, gente cheia de razão, gente engraçadinha desqualificando x candidatx do outrx (porque, claro, x candidatx que a gente escolhe é o único bom, o resto é tudo demônio, povinho ignorante). Tenho lido tanta asneira, que até considerei hibernar e voltar só quando as eleições tivessem terminado. Mas a coisa anda tão pela hora da morte, que nem dormindo direito eu estou, de tanto medo que tenho de pescar e vocês fazerem alguma merda gigantesca #estamosdeolho

Por falar em merda, que papelão a dona Marina Silva está fazendo na campanha presidencial deste ano, hein minha gente?

Primeiro, ela veio se autopromover como uma novidade na política nacional tendo na base da campanha uma Neca bem dumdum, que é nada mais do que uma acionista de um dos maiores bancos do país (ou seja, um tipo de aliança que é o que há de mais velho). Ela afirmou num debate promovido pelo SBT que que a “nova” política (acho que ela se referia a si mesma) sabe “trabalhar na diversidade e na diferença”, mas não se colocou firmemente com relação às questões das minorias (sexuais, de gênero), por exemplo. Quais os limites desse “trabalhar com a diferença”, dona Marina?

 

marina silva neca cecilia silveira revista geni

 

Bem, dias depois, em 29/08/14, o PSB (Partido Socialista Brasileiro), ao qual pertence Lady Silva, havia divulgado em seu site o seu programa de governo, nele colocando as propostas do partido no que diz respeito à pauta LGBTT. Quem leu o documento publicado ficou boquiaberto, porque ele realmente estava alinhado com nossas reivindicações: apoiava o casamento igualitário, a criminalização da homofobia (PEC 122/06), comprometia-se com a aprovação do Projeto de Lei sobre a Identidade de Gênero, entre outras propostas que, realmente, acolhiam nossas exigências.

24 horas depois (ou melhor, 4 tweets do demônio Silas Malafaia later), baixou a Kátia Cega na bunita, que fez a louca e saiu por aí afirmando que havia ocorrido uma falha técnica e que o programa que havia sido publicado não tinha sido revisado (a culpa é sempre das revisoras, sabe como é).

Aliás, esse “novo” programa, o que ela afirmou que estava certo, ficou todo errado. Ele foi divulgado no dia 30/08 e, além de conservador, não se comprometia efetivamente com nossas reivindicações: tudo aquilo que a primeira versão colocava como compromisso, a outra ou colocava como intenção, ou sequer considerava o que se pedia. A equipe de Marina deu uma tucanizada básica no documento, dá uma olhada só:

 

mudancas-programa-marina

 

FONTE: Carta Capital

 

 

Minha gente: o povo tá achando que a gente respira pum em vez de oxigênio para acreditar nessa história de erro técnico, né? Será que numa equipe com 21454678 de funcionários, assessores, diretores não é possível que ninguém tenha visto essa porra de projeto antes dele ser divulgado? A culpa então é do estagiário que colocou o relatório no ar.  Vocês são é estagiários da noção, isso sim!

Eu defendo o direito de todo mundo mudar de ideia, de dar para trás (eu só faço isso na vida, risos); agora oportunismo comigo não, amapô! Presta atenção que a gente não é trouxa! Vocês estão achando que isso aqui é bagunça?!

 

 

 

 

 

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Ilustração: Cecilia Silveira.

 

 

 

 

 

 

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