Geni é uma revista virtual independente sobre gênero, sexualidade e temas afins. Ela é pensada e editada por um coletivo de jornalistas, acadêmicxs, pesquisadorxs, artistas e militantes. Geni nasce do compromisso com valores libertários e com a luta pela igualdade e pela diferença. ISSN 2358-2618

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Mídias independentes, gênero e sexualidade

Ascenso conservador reforça a necessidade de fortalecer espaços para o debate de gênero e sexualidade. Por Adriano Senkevics, do Ensaios de Gênero

 

Publicado originalmente no Ensaios de Gênero, em 30/08/2015. Adaptado pelo autor para a Geni e publicado em 17/09/2015.

 

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No sábado passado, dia 22 de agosto de 2015, aconteceu o 1º Encontro de Mídia Independente com Foco em Gênero e Sexualidade, organizado pelos coletivos Generx e revista Geni, no Centro Cultural São Paulo (CCSP). Mediado pela Lia Urbini, o evento reuniu dezenas de coletivos que respondem pelo trabalho de diversos blogs, sites e canais de vídeos. Embora com propósitos distintos, esses coletivos se uniram pelo interesse em debater gênero e sexualidade em um tempo em que essa pauta tem sido seriamente ameaçada.

 

Por isso, o encontro parece ter vindo em boa hora. Vivemos, na atualidade, uma ascensão conservadora que tem procurado não apenas enfrentar os movimentos sociais, como ainda criminalizar seus instrumentos de denúncia e mobilização. Tal situação ficou evidente com a retirada do termo “gênero” de centenas de planos municipais e estaduais de educação, além do próprio plano nacional – uma derrota imensurável e que vem na contramão de reivindicações históricas para se avançar no combate ao sexismo, à homofobia e à transfobia.

 

Entre os participantes do evento, compareceram os coletivos Nós, Mulheres da Periferia, Revista Capitolina, Chá dos 5, Bi-Sides, Donas da Casa, Blogueiras Feministas e o Ensaios de Gênero. Em três horas de conversa, cada grupo apresentou seu trabalho, seguido por uma breve discussão sobre os ganhos e dificuldades de se manter uma mídia independente e sobre o contexto político para a discussão de gênero e sexualidade no Brasil. Por fim, coletivos mantidos por outras pessoas do público também tiveram espaço para comentar suas produções e divulgar seus trabalhos.

 

É fato que o debate de gênero é crucial no Brasil contemporâneo. Se, por um lado, ele sempre foi, haja vista que não houve sequer um Estado-nação no mundo que não tenha sido levantado a partir de um regime de gênero e cor/raça, por outro lado, no Brasil as disputas em torno dessa pauta estão acirradas de uma forma que não se via havia algumas décadas. Hoje, as políticas de gênero são centrais para o Estado, ainda que pelo seu reverso, isto é, ainda que pela derrocada de gênero enquanto uma política pública.

 

Basta pensarmos que as principais lideranças conservadoras, no campo dos direitos humanos, projetaram-se nacionalmente como opositoras da pauta de gênero e sexualidade, tão cara aos movimentos feminista e LGBT. Lembremo-nos de Jair Bolsonaro e sua oposição ao programa Brasil sem Homofobia, Silas Malafaia e seu lobby contra o PLC 122, Marco Feliciano à frente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, além de outras crias da bancada fundamentalista, a exemplo de Eduardo Cunha, que de um político desimportante a esbravecer contra gays, lésbicas, bissexuais e transgênero tornou-se uma figura central para impulsionar outros retrocessos, tais como a redução da maioridade penal e a contrarreforma política.

 

Alianças espúrias, somadas a falta de força ou coragem para barrar interesses escusos, acabaram por levar ao poder uma corja responsável pela legislatura mais retrógrada do Congresso Nacional da última metade de século. Em razão disso, e apesar de termos eleito a quantidade recorde de 51 mulheres para o cargo de deputadas federais, temos assistindo a um processo de masculinização da Câmara dos Deputados, em que uma concepção punitiva de política social tem dado à tônica. Não se fala mais em cidadania, senão uma cidadania subordinada ao mercado e condicionada ao autoritarismo latente da sociedade e do Estado brasileiro.

 

Tudo isso em um momento político em que nossas ferramentas, enquanto movimento social, para fazer frente ao avanço conservador estão mais difundidas e assimiladas por amplos setores da população. É aqui que entram as mídias independentes, gradativamente mais presentes nas redes sociais. Depois de Junho de 2013, engana-se quem diz que o mundo virtual não é capaz de enviar pessoas às ruas. Resta saber que ruas permanecerão ocupadas, por quem, e o quanto essas reivindicações serão capazes de adentrar na correlação de forças que se desenha cada vez mais problemática em âmbito nacional.

 

 

Independência e democratização

 

Já que se diz que vivemos uma “sociedade da informação” – informação essa que não atinge democraticamente a população e que tampouco é produzida democraticamente por ela –, então que façamos desses espaços por onde circulam conceitos, ideias e conhecimentos também locais de disputa, visando trazê-los em nosso favor. É por isso que não poderia ser mais bem-vinda uma iniciativa que congrega grupos que, cada um com sua linguagem e perspectivas, pretendem ocupar esses espaços com seus blogs, sites e canais. Para além de iluminar o trabalho de cada um, esse primeiro encontro pode ser visto como forma de aumentar a sinergia entre nós diante das imensas dificuldades que já existem e de outras tantas que virão pela frente.

 

Agora, é importante ter em mente que as mídias independentes também esbarram em limites os quais não podem ser desconsiderados. Embora independentes de um ou outro editor ou empresa, estamos ainda vinculados a sites que lucram com base em nossa colaboração. Não à toa, companhias como Facebook e Google (detentora do YouTube) costumam explicitar seus interesses econômicos quando encontram páginas ou canais potencialmente lucrativos. Direta ou indiretamente, alimentamos acesso a esses sites e, portanto, somos também um parafuso da engrenagem desse sistema.

 

Em paralelo a isso, não podemos esquecer que as mídias independentes são independentes não tanto porque encontram espaços próprios para se ocupar, mas sobretudo porque não o encontram nos meios hegemônicos de comunicação. São esses que mais intensamente pautam a dita “opinião pública” – que muitas vezes não é nem opinião, nem pública. Mais do que seguir fazendo um trabalho que corre por fora, que é sem dúvida necessário, é crucial termos em mente que a democratização dos meios de comunicação deve ser uma pauta unificada de todas e todos que se aventuram em produzir informação tendo como concorrentes novelas, reality shows e jornalismos de colarinho branco.

 

Esperamos, enfim, que haja mais oportunidades de diálogo e construção coletiva como essa. Se houver, o Ensaios de Gênero certamente estará presente.

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