Geni é uma revista virtual independente sobre gênero, sexualidade e temas afins. Ela é pensada e editada por um coletivo de jornalistas, acadêmicxs, pesquisadorxs, artistas e militantes. Geni nasce do compromisso com valores libertários e com a luta pela igualdade e pela diferença. ISSN 2358-2618

mídia & narrativa

, , , , , ,

Por narrativas diferentes

É preciso se apropriar da mídia independente para contrapor a narrativa oficial sobre as mulheres. Por Michelle Borborema, do Donas da Casa

Publicado em 17/09/2015.

 

donas-da-casa

 

Em agosto de 1981, houve no Rio de Janeiro o Encontro do Movimento das Mulheres no Brasil, em que se discutiu, entre muitas pautas feministas, os meios de comunicação como uma força educativa que não apenas reproduz e ratifica a ideologia dominante, mas funciona como um instrumento em potencial para resistir e propagar novas ideias e valores. Na época, as mulheres passaram a incluir a comunicação em sua estratégia de educação do feminismo, de recriação da identidade social e do resgate das suas histórias. Novos espaços, como folhetins, revistas, jornais alternativos e áreas da grande imprensa, foram conquistados em um movimento de criação e reapropriação da mídia. Surgia com força a chamada “imprensa feminista” como uma modalidade da mídia alternativa, ou seja, como espaço de construção e disseminação de discursos contra-hegemônicos de identidades de resistência.

 

Em 2015, 34 anos depois, nós mulheres ainda não somos representadas pelos grandes canais de comunicação e continuamos na luta para contar nossas histórias e memórias em todos os espaços. Infelizmente, ainda é uma única e dominante narrativa que tem vez nos veículos da mídia. Podia ser pior? Sim, sem dúvida, pois os curtos passos que demos foram enormes diante das forças dominantes contrárias. Precisa ser melhor? Muito. E é por isso que estamos aqui, cada uma com sua vivência, perspectiva e maneira, na luta diária para que isso mude.

 

 

Nossos discursos próprios

 

A verdade é que a produção dos estereótipos de gênero continua. Somos pintadas a todo momento como coadjuvantes de uma história masculina, branca, heterossexual e cis. Para a grande imprensa, que é controlada pelo patriarcado, não fazemos e nunca fizemos história, não definimos o rumo das coisas, não temos o tal do poder. E o pior, algumas de nós não somos sequer “representadas” e, se somos, é de maneira pejorativa e ofensiva.

 

Apesar de tudo, há uma luz no fim do túnel: agora temos mais visibilidade do que há 34 anos. E com isso, como disse Aline Valek em entrevista ao Donas da Casa, começamos aos poucos a encontrar mais pessoas que pensam diferente, o que leva várias outras a se mostrarem contrárias ao discurso normativo vigente. O problema é que, quando essas manifestações ocorrem, há uma reação de quem está no poder. Então, ao mesmo tempo em que fica mais nítida a aceitação do feminismo, há mais reações contrárias a ele. Assim, sempre que uma mulher tiver finalmente o reconhecimento do poder que tem, vão aparecer milhares de pessoas contra ela, dizendo que é vadia, que aquilo não faz o menor sentido, que ela deve se dar ao respeito, ser dona de casa etc. Enfim, todo aquele discurso sem a menor lógica, mas que, na atual conjuntura das coisas, nos deslegitima. Isso quando, dependendo da situação e da realidade da mulher, ela não é violentada, apedrejada, assassinada.

 

É por isso e por todo o resto que precisamos disseminar nossos discursos próprios, questionar e mudar essa realidade. E é também por isso que o 1º Encontro de Mídia Independente com Foco em Gênero e Sexualidade, realizado no dia 22 de agosto de 2015, pelos coletivos Generx e revista Geni no Centro Cultural São Paulo (CCSP), foi tão importante. O evento reuniu vários coletivos de blogs, sites – entre eles o Donas da Casa, do qual faço parte – e canais de vídeo que abordam de maneiras diferentes pautas sobre gênero e sexualidade. Com perspectivas e objetivos distintos, nós nos encontramos pela vontade de debater essas questões em um momento político difícil para o feminismo e para o movimento LGBT.

 

 

Nossas pautas e demandas

 

Conforme bem colocou Adriano Senkevics no post que fez sobre o evento para o blog Ensaios de Gênero (republicado nesta edição da Geni), “vivemos, na atualidade, uma ascensão conservadora que tem procurado não apenas enfrentar os movimentos sociais, como ainda criminalizar seus instrumentos de denúncia e mobilização, como se vê em torno da retirada do termo ‘gênero’ de centenas de planos municipais e estaduais de educação, além do próprio plano nacional”. Nesse sentido, precisamos estar ativos e encontrar meios de fortalecer nossas pautas e demandas no combate a esse cenário. Em uma época de inquietude, muita presença virtual e demasiados algoritmos voltados para agrupar iguais, é difícil nos unir pela diferença e pelo incômodo em uma sociedade pautada e dominada pelo “mesmo”. Mais complicado ainda é manter uma assunto interessante e relevante por mais de um mês.

 

O encontro nos deixou com um sorriso no rosto e o nítido incômodo em comum de que somos muitas e muitos, com realidades, dificuldades e perspectivas diversas, mas com uma possibilidade linda de construir algo coletivamente com base em nossas diferenças para ocupar os espaços de modo a entendê-los como locais de disputa para nossas pautas. Seja em 1981, 1920 ou 2015, nós da mídia independente precisamos dialogar e construir juntos os meios para que nossas diversas narrativas sejam escutadas e as demandas de quem representamos, atendidas. Não podemos ficar apenas por aqui. Devemos conquistar alguns espaços e agregar pessoas com os nossos canais. Isso pode ajudar. E muito.

, , , , , ,