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Aprendizado na militância
A experiência organizativa das mulheres do Pão e Rosas na Espanha. Por Marta Clar, de Barcelona
Publicado em 31/01/2016
Pão e Rosas: reconstruir o legado das mulheres trabalhadoras para avançar na luta pelos nossos direitos
O Estado espanhol tem vivido com grande dureza a situação europeia atual. Atravessamos uma crise sem precedentes que afeta particularmente a maioria das mulheres trabalhadoras, os imigrantes e a juventude precária.
As políticas de cortes e privatizações aplicadas com intensidade especial pelo governo do Partido Popular estão obtendo, como consequência, um progressivo desmantelamento dos serviços públicos, um terrível aumento do desemprego e uma contundente extensão da precariedade laboral e da pobreza, sendo tudo isso combinado com uma dura ofensiva contra os direitos reprodutivos e sexuais das mulheres e um trágico incremento dos feminicídios e da violência machista.
Mas enquanto os ataques neoliberais avançam sobre os direitos da classe trabalhadora, um amplo movimento de mulheres vem se desenvolvendo, a fim de enfrentar os mais diversos tipos de violência.
Nós, mulheres do Pão e Rosas, estamos firmemente comprometidas com a organização e mobilização das mulheres nas ruas, nas universidades e no local de trabalho como ferramenta essencial para derrubar sucessivos ataques que estamos recebendo. Nossa inspiração são aquelas trabalhadoras combativas que, lutando contra os patrões por seus direitos trabalhistas, se opunham também contra a moral conservadora que significava o confinamento em casa, dedicadas apenas aos cuidados da família. Dos métodos delas aprendemos a criação de comitês de luta dentro e fora dos centros de estudo e trabalho, buscando a mais ampla solidariedade entre todos os setores combativos. Aprendemos também com a convicção dessas mulheres, e sobre como estando à frente das reivindicações da classe trabalhadora elas levantaram ao mesmo tempo as reivindicações específicas das mulheres.
O objetivo fundamental de unir teoria e prática na luta por nossos direitos
Com o Pão e Rosas temos realizado diversas oficinas em várias universidades e vizinhança local. O objetivo: recuperar, por meio de reflexão e debate, todas essas ideias que as mulheres desenvolveram no calor da luta de classes. Batalhas na ação, que deixaram em paralelo um grande legado teórico que hoje é totalmente rejeitado na academia, e que agora constituem um pilar fundamental para avançar na luta por nossos direitos como mulheres e como trabalhadoras.
A luta das mulheres para conquistar nossa emancipação só pode ser realizada ao se combater de forma combinada o capitalismo e o patriarcado, essa “aliança criminosa” que condena milhões de mulheres à exploração mais severa, uma vez que restringe nossas liberdades a partir de um dispositivo complexo de controle e dominação sobre nossos corpos e nos encarcera no ambiente de casa e da família.
A luta por “trabalho igual, salário igual” foi uma reivindicação histórica no movimento de mulheres que ainda hoje tem enorme vigência. Uma reivindicação que não pode ser compreendida a não ser a partir dessa complexa união entre capitalismo e patriarcado. Mas a precariedade laboral que hoje golpeia com mais força as mulheres, e sobremaneira as jovens e imigrantes, não se expressa apenas no salário.
As jornadas de trabalho em ritmos frenéticos, a sobrerrepresentação das mulheres nos trabalhos de tempo parcial e com contratos temporários, a perseguição trabalhista em relação à maternidade, são esses os diferentes rostos que adquirem a precariedade feminina.
Para avançar na compreensão dessa relação complexa, nós tentamos resgatar no Pão e Rosas a pertinência do marxismo e de sua extensa elaboração. Temos realizado com muito sucesso oficinas junto a mulheres trabalhadoras em luta. As trabalhadoras de Panrico, que passaram 8 meses fazendo oposição aos ataques dos patrões que planejavam demissões em massa em sua fábrica, contaram em um auditório cheio de jovens estudantes sobre a sua luta, enfatizando o efeito empoderador que teve o fato de estarem a frente de uma luta como aquela.
Prestar atenção ao modo como a vida no lugar de trabalho e a vida doméstica se entrelaçavam, sob a luz de experiências como essa, tem nos permitido continuar uma importante reflexão sobre o papel das mulheres no capitalismo. “A dupla jornada de trabalho”, “a casa como lugar paralelo de trabalho invisível [ou invisibilizado]”, “as mulheres como exército de reserva”, “a relação entre trabalho reprodutivo e produtivo”, “o papel da família como instituição econômica no capitalismo”, todos esses foram debates abertos graças àquela luta que chegou a nossas faculdades, para devolver pra gente todos os ensinamentos acumulados em grandes meses de luta operária; mas também a necessidade de nos organizarmos como mulheres para defender nossos direitos sexuais e reprodutivos, a demanda por esclarecer lemas como “gênero nos une, mas a classe nos divide “, isso também fazia parte da ampla gama de palestras, oficinas e debates junto às mulheres trabalhadoras.
A Universidade como um alto-falante importante das lutas das mulheres, como um espaço para a transmissão de conhecimento resgatado de suas experiências, é uma grande conquista para a qual ainda temos que continuar lutando. Mas seria um grande erro pensar que a experiência das mulheres operárias proporcionam ensinamentos teóricos e estratégias que podem ser exclusivamente aplicadas no local de trabalho. Nosso próprio corpo também se torna um novo “campo de batalha” sobre o qual se impõe o assédio capitalista em forma de múltiplas violências.
A violência machista é a maneira pela qual o patriarcado atravessa o sistema capitalista da maneira mais brutal. Uma violência que se expressa na forma de espancamentos e feminicídios, mas às vezes se desenvolve sutilmente na forma de assédio, objetificação, controle e disciminação no trabalho.
Junto a Vicky, Silvia e Asun, trabalhadoras da Movistar punidas pelo simples fato de serem mães, pudemos conhecer como a violência que sofremos apenas por ser mulheres ultrapassa todas as fronteiras sociais, além de visualizar como o machismo se transforma em perseguição, abuso, discriminação e assédio. Suas experiências diárias nos ajudaram a ilustrar o enorme paradoxo que se esconde no capitalismo: por um lado, as mulheres são socialmente punidas quando não cumprem o papel idealizado de mãe, e por outro, são laboralmente punidas quando resolvem ser mães.
Esperiências como essas inspiraram uma série de debates e oficinas sobre sexualidade feminina, micromachismos e violência machista para abrir a reflexão entre as gerações mais jovens, recolhendo de testemunhos a base para elaboração de um programa de luta comum, para avançar na luta por um mundo em que possamos ser socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres.
Recuperando do marxismo os ensinamentos que as lutas operários nos deixaram, com o objetivo de avançar no caminho contra a opressão e a exploração, convencidas de que tão somente olhando através dos olhos das mulheres poderemos alcançar um verdadeiro horizontes de emancipação.
Marta Clar é estudante de ciências sociais e militante do Pão e Rosas Barcelona.
Tradução: Lia Urbini
Fotografias: retiradas no site do coletivo