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ESCULACHO | Gênesis e carnaval

Mina preta tendo filho solteira é dado conhecido do Estado e dxs acadêmicos. Mas e preta bancando a produção independente? Por Alciana Paulino

Publicado em 09/03/2016

 

Eu acho que estou grávida de carnaval.

 

Na crise do zika vírus.

 

Eu, que nunca pensei em ter umx filhx, estou levando em consideração essa ideia, que para mim ainda é muito estranha.

 

Se acontecer, essa criança deve ser muito iluminada, pois ela foi concebida numa relação de amor de fim de carnaval. O pai? Não conheci, só no sentido bíblico. Foi assim, lindo, não houve perguntas, só se joga se joga.

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Eu gostaria de ter sido concebida assim, mas algo me diz que meu pai estava bêbado e minha mãe não sabia do que gostava. Ele, macho folgadão, fez com preguiça e esperou gemidos agudos como recompensa. Ela, achando “gostosinho”, pensou “ué, é isso?”.

 

Meu início foi errante. Quando 50% do meu DNA estava ali com outros espermas, quando foi dada a largada, pensamos:

 

– Mas já? – esse foi o meu primeiro pensamento. O que justifica o comportamento compulsivo. Definitivamente.

 

Em seguida vieram as duas primeiras sensações: surpresa e decepção. A primeira justifica o “tô de cara”, já a segunda justifica a vida que tenho tido.

 

Mentira. Do que eu posso reclamar? O mundo anda tão maravilhoso, não é mesmo?

 

Mina preta tendo filho solteira é dado conhecido do Estado e dxs acadêmicxs. Mas e preta bancando a produção independente? 

 

Vem cá! Já se perguntaram a diferença entre uma coisa e outra?

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Então bora comigo, porque vou encher sua cabeça de perguntas:

 

O que define se a mãe é solteira ou bancou a produção independente?

 

Classe?

Se o homem opta ou não por se responsabilizar pela criança?

Se a mulher dá essa opção ao doador?

Classe?

Se a mulher planejou antes de engravidar?

A idade em que a mulher faz a escolha?

Ou classe?

 

Eu tenho pensado sobre isso, e você?

 

O que me incentiva é que fui filha de mãe preta e solteira e estou arrasando. Ao meu redor, vejo muitas mulheres bancando o desafio da maternidade sem um parceiro ou parceira. Guerreiras arrasadoras!

 

Mas quanto essa criança tiraria de mim?

 

Acho que se quiser ter, não devo fazer essa pergunta, mas o quanto eu vou poder aprender com esse amor que insistem em dizer que eu nunca provarei, a não ser dessa forma. Do que discordo. Adotar continua sendo um sonho. Agora, meio distante.

 

A Deusa sabe que eu tomei a pílula do dia seguinte, mas só ela pode saber. Porque se não tiver dado certo, eu vou negar para sempre, apenas para dizer que sempre amei o meu bebê.

 

Eu lembro da minha irmã que, quando criança, dizia que nunca teria filho para não ter que dividir o leite condensado. Agora está lá, dividindo tudo com a coisinha mais linda desse mundo. Daqui a uns dias já vai poder comer leite condensado… coisa mais linda da tia!

 

Enfim, reflexões absurdas de fim de noite. Se estiver grávida de verdade, vou ter que parar de beber por um tempo. Bom, então bora aproveitar enquanto não tenho certeza.

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Ilustrações: Gunther Ishiyama

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