coluna
Carreira de diarreia, Cecilia Silveira, Claudia da Silva Ferreira, Cocô gourmet, Faróis Acesos, Marcha da Noção, Neusa Sueli, número 10
FARÓIS ACESOS | Depois do after
Parece Zeitgeist, mas é só falta de noção coletiva mesmo. Por Neusa Sueli
Dona Neusa Sueli estava saindo toda colocada do after da Freedom no sábado passado, quando foi surpreendida pela Marcha com Deus pela Liberdade. Relato IRRITADO da Godiva do Arouche.
Parece Zeitgeist, mas é só falta de noção coletiva mesmo. Eu tento, me esforço, mordo a fronha para ver se aguento, mas vocês pegam pesado demais. Bom senso nesta encarnação nem pensar, né, pessoal? Não está nos planos de vocês MESMO, né, gente? Copia só meu martírio:
1. Marcha com Deus pela Liberdade ou Marcha Ré da Noção na Sociedade
Sábado passado, eu (toda Belzebu provocante, toda Lúcifer, gostosona – praticamente uma Godiva do Arouche) saí com as amigues para quebrar até o chão [risos abafados]. Aliás, podem me julgar [#beijinho no ombro], porque só grampeando o chão na boate para aguentar tanta imbecilidade.
Lá estava eu – linda, de short curtíssimo e sensualizando com as palmeiras da praça da República – quando, por volta das 16 horas (a noite foi boa e o after se estendeu, scusi), avistei uma aglomeração – e vocês sabem que onde há gente suada se pegando eu apareço. Lá fui eu.
O que eu vi, entretanto, até cortou meu barato (ressequei total): um bando de gente sem-noção com cabelo com frizz, gente sem cabelo (skinheads) com cara de cu, gente com bandeira do Brasil nas costas (para se proteger da chuva, provavelmente), gente com rosto pintado de verde, amarelo e preto (sorry, não consegui entender o porquê), gente bramindo gritos de ordem (“chega de corrupção!”) – ah, o “gente” é por minha conta, tá? (soy generosa).
E eu, que achava que ia me acabar numa micareta, mifudi e quase tive vontade de entrar no primeiro bueiro que encontrei, porque o nível ali dentro seria mais elevado do que aquilo que eu vi. Parei uma amigue e perguntei de que se tratava e ela me disse que se tratava da “Marcha com Deus pela Liberdade”. Risos.
RISOS.
RISOS.
Vocês estão de brincadeira, né? Fala sério, é pegadinha, vai?! Vou exercitar é a minha liberdade de sentar a minha mão na cara de vocês, bando de cu sem prega! O que é que vocês têm na cabeça?! (Favor não responder, grata). Tanta marcha mais interessante no mundo (#beijomarcharé) e vocês ressuscitam justamente uma das coisas mais tenebrosas da história recente do Brasil?
Não bastaram xs milhares de torturadxs, desaparecidxs, relatos de uma crueldade (leiam a entrevista com Amelinha Teles nesta edição da Geni) que não tem tamanho…? É isso que vocês querem trazer de volta? Como vocês têm coragem de falar em liberdade?
Minha gente… Eu não sei nem o que dizer. Vocês comem cocô gourmet, confessem. Olha, o Inferno é fichinha perto do convívio com vocês, viu? O Demônio [<3] é mil vezes mais legal do que esse pessoal que eu ando vendo por aí. Satã, bring me back to Hell, please!
Que o ser humano não deu certo, todos nós já sabemos.
Já que a população nacional parece ter perdido a chave do cu e anda conclamando a volta da ditadura militar, só nos resta organizar a Marcha da Noção – algo que, aparentemente, desapareceu do mundo junto com os dinossauros (se é que algum dia existiu).
Se você acha que falta noção à humanidade, junte-se a nós! A Revolução está em nossas mãos, companheirxs!
Los sin-noción no pasarán!
2. Claudia Ferreira
No último dia 16 de março de 2014, a auxiliar de serviços gerais Claudia Silva Ferreira havia saído de casa para ir comprar pão, quando foi baleada por policiais que subiam o Morro da Congonha, em Madureira, onde ela morava. Ferida, foi colocada no porta-malas e, ao ser socorrida (!!!), “acidentalmente” arrastada por quase 300 metros. O motivo de terem atirado nela? Mistério… Ah tá. Conta outra.
Claudia era mulher, mãe (de quatro filhos), negra, pobre e, como boa parte de nós, brasileiras, arrimo de família. Claudia provavelmente será só mais um número na estatística de pessoas pobres assassinadas pela PM na periferia das grandes capitais.
3. BBBosta 2014
Eu confesso que não sou lá dessas que mais veem TV, sobretudo esses reality-shows (tenho um monte de louça para lavar em casa, scusi). Fiquei sabendo, contudo, que uma tal de Angela Moraes (participante do BBB 14) andou dando “declarações polêmicas” [bocejo] a respeito das pessoas que vivem com aids. Essa anta afirmou – assim, sem nenhum pudor – que “os portadores do vírus HIV deveriam ser todos exterminados” e – copiem só o nível da ‘adevogada’ – “o que mais [a] irrita é saber que a aids existe porque teve um idiota que foi transar com um macaco” [momento para você refletir se a humanidade realmente evolui como pressupunha Charles Darwin].
Primeiro, queridinha: mil vezes trepar com um macaco do que com você, vamos combinar. Macacos não saem por aí vomitando idiotices, preconceitos e imbecilidades. No máximo eles mostram a banana e jogam bosta no público no zoológico (e têm meu amor eterno por isso <3).
Você tem consciência de que prestou um desserviço enorme para a sociedade brasileira propagando AINDA MAIS PRECONCEITO CONTRA as pessoas que convivem com o vírus HIV? Você tem ideia de como a gente briga para que essas pessoas sejam respeitadas e que esse preconceito recrudesça? Você tem alguma noção? (pergunta retórica, não precisa ser respondida).
Segundo, fofinha: se eu fosse da OAB, caçava seu diploma. Como é que pode ter passado no vestibular, hein gente? Ninguém explicou para ela durante o ensino médio e fundamental como a aids é transmitida? Quem é que faz a seleção desse BBB, hein? Em que pântano é que eles estão indo fazer triagem? Não dá para cancelar esse lugar, não? Não está dando certo, people. Eu sei que os critérios de seleção para fazer esse programa são ter corpo malhado, ser fotogênico e POLÊMICO (#tapanacaradasociedade), mas achei que tinha que ter linguagem articulada também, sabe.
4. EU NÃO MEREÇO SER ESTUPRADA COISÍSSIMA NENHUMA
Sexta-feira passada, dia 27 de março, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada publicou um relatório que apontava que 58,5% das pessoas que haviam sido entrevistadas “concordaram totalmente ou parcialmente com a frase ‘Se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros’”. CINQUENTA E OITO POR CENTO.
Minha primeira reação foi de tristeza, porque, né: como é que pode alguém ser tão cruel? Como é que pode alguém achar que, por uma mulher estar usando uma roupa assim ou assado, ela merece ser estuprada? Como é que uma outra mulher pode pensar assim, ser tão pouco solidária? COMO É QUE PODE?
Meu segundo sentimento foi de ódio, raiva, indignação e SANGUENOZÓIO. Me olhei no espelho, respirei fundo e apontei meus mamilos-laser para cima (tipo a Sheena) e soltei um “ÊEEEEEPA! TÁ PENSANDO O QUÊ?” Aqui não é bagunça, não!
Quase saio nua, no horário de pico, na Linha Vermelha do Metrô de São Paulo em forma de protesto, e QUERIA SÓ VER QUEM É QUE IA TER CORAGEM DE VIR ENCOSTAR A MÃO EM MIM!
Meu corpo é meu, eu mostro se eu quiser e FODA-SE SE VOCÊ ACHA QUE EU TENHO QUE ME VESTIR ADEQUADAMENTE PORQUE VOCÊ NÃO CONSEGUE MANTER SEU PAU NAS CALÇAS (nem deve ser tão difícil, porque nem é nada assim tão expressivo, convenhamos). FODA-SE VOCÊ QUE ACHA QUE UMA SAIA MAIS CURTA OU UMA BLUSA DECOTADA “INCITA”, “INSTIGA” OS HOMENS [fazendo de tudo para me segurar e não quebrar o teclado].
Vem com graça para cima de Dona Neusa Sueli para você ver só! Eu corto seu pau e suas bolas e faço um bilboquê!
Esse povo cheira carreira de diarreia, só pode. Nós, mulheres, vemos os homens o tempo inteiro sem camisa, de short, de sunga, e nem por isso a gente vai e agarra, pega e dá uma chave de xana neles enquanto eles estão, sei lá, fazendo cooper na praça Buenos Aires.
Quantas vezes vocês já tiveram noção de verdade, assim, na vida? Nenhuma, né?
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Ilustração: Cecilia Silveira.