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resenha

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(Des) identidades Cibernéticas

Sobre Transmasculinidades de Simone Ávila. Por Olívia Pavani

 

Uma questão que sempre me coloco quando penso em redes sociais é o quanto elas podem nos aproximar ou afastar das pessoas (e de nós mesmxs…). Pondero com uma observação meio óbvia: tudo depende do uso que se faz desses instrumentos de comunicação. Mas, continuando, e no caso das páginas dos coletivos, grupos de discussão e ativismo na rede? Qual a relevância e quais são os usos possíveis?

transmasculinidades (1)
Ilustração de Caio Vítor

No livro de Simone Ávila, Transmasculinidades: a emergência de novas identidades políticas e sociais, encontrei algumas perspectivas interessantes sobre as possibilidades das redes sociais.
Transmasculinidades é um desdobramento da tese de doutorado defendida por Simone em 2014, na Universidade Federal de Santa Catarina, no programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas.

Segundo a autora, sua motivação para escrever o livro foi a crescente visibilidade dos homens transexuais no Brasil, tanto na mídia quanto no movimento de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBT), entre 2010 e 2014, e a pouca produção brasileira sobre transmasculinidades. Quanto ao que me levou a lê-lo, foi o contato, o carinho e a amizade desenvolvidos com alguns homens trans e o acompanhamento dos movimentos sociais em torno dessa discussão. Emocionante estar presente no Primeiro Encontro Nacional de Homens Trans – ENAHT, em janeiro de 2015, promovido pelo Instituto Brasileiro de Transmasculinidades – IBRAT, ocasião em que o livro foi lançado.

O tema central da obra, como o próprio subtítulo já indica, é a emergência de masculinidades produzidas por homens trans que, conforme analisa a autora, vêm se constituindo como “novas” identidades sociais e políticas no contexto brasileiro.

Optando por caminhos teóricos e metodológicos que a ajudassem a analisar as transmasculinidades de modo mais crítico e criativo, Simone adota uma perspectiva interdisciplinar que se desloca dos discursos hegemônicos e patologizantes. Nesse sentido, é a partir da compreensão de que as identidades estão em processos contínuos de construção e desconstrução históricas e culturais que a autora desenvolve a sua pesquisa.

Particularmente interessante foi perceber esse processo de (des)construção acontecendo no ENATH. Simone, que no livro utiliza o termo “transhomem”, escuta os protagonistas dessa história reclamando-se homens trans e adotando essa identidade política.

 

Mas e as redes sociais?

 

Entre os instrumentos de investigação utilizados na pesquisa, destacam-se as mídias digitais como e-mail, Youtube, Orkut e Facebook. Foi também desenvolvido o web site “Sou Transhomem… e daí?” que continua disponível e pode ser conferido em: http://soutranshomemedai.webnode.com/.

Durante a busca por participantes, em 2009, Simone mandou uma mensagem para os administradores dos dois únicos blogs direcionados a homens trans no Brasil, o “Transhomem Brasil” e o “FTMBrasil”. Conforme relata a autora, os blogueiros divulgaram a mensagem, na qual ela explicava os objetivos da pesquisa e convidava os homens trans a participar. No entanto, foi apenas em 2010, com a ampliação da investigação para todo o Brasil, que Simone passou a receber mais respostas para seu convite. Ao todo, participaram trinta e três homens trans, sendo que os nomes utilizados são fictícios e os detalhes que poderiam identificá-los foram suprimidos.

Simone conta o caso de Flávio, que se descobriu “transexual” quando adquiriu um computador e começou a pesquisar na internet sobre sexualidade. Por sugestão de um grupo de lésbicas foi buscar a definição de “transexualismo” e se encontrou. A internet marcou a vida de Flávio não só por proporcionar acesso a informações que o ajudaram em sua autoidentificação, mas também por facilitar o encontro com outros homens trans, a criação e a ampliação de sua rede de aconselhamento e suporte.

Volto então a ponderar sobre o uso que se faz desses instrumentos de comunicação e, mais ainda, da apropriação das informações obtidas nas pesquisas feitas pela internet. Reflito sobre a produção de identidades rígidas e estereotipadas, a partir dos diagnósticos psicopatológicos que descrevem a transsexualidade como “disforia de gênero”, por exemplo. A leitura solitária dessas descrições pode gerar identificações automáticas por pessoas que estão sozinhas tentando desesperadamente encontrar um sentido para a sua experiência com o gênero que, na sociedade binária e cisheteronormativa em que vivemos, é ininteligível fora das caixinhas médicas. Fico me perguntado: as redes sociais agregam pessoas, que passam a poder achar uma referência sobre o que se passa com elas, mas, ao mesmo tempo, será que não podem afastá-las de um desenvolvimento mais autêntico de si mesmo?

Ao longo dos capítulos, Simone reflete e tensiona sobre os processos de autoidentificação e as construções das identidades trans, as cirurgias, as visibilidades conquistadas e as participações no movimento social e político, com a qualidade de quem se coloca no texto, explicitando suas dúvidas no decorrer da pesquisa, dificuldades e conquistas. A problematização é sempre acompanhada pela discussão teórica e bibliográfica, mas ganha vida nos exemplos tirados dos filmes, livros biográficos e, principalmente, dos relatos de seus interlocutores.

Então, fica a dica: sai da internet, desliga o computador e vai ler o livro!

Ávila, Simone. Transmasculinidades: a emergência de novas identidades políticas e sociais, 1ª Edição, Editora Multifoco, RJ, 2014.

 

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Ilustrações de Caio Vitor.

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