Geni é uma revista virtual independente sobre gênero, sexualidade e temas afins. Ela é pensada e editada por um coletivo de jornalistas, acadêmicxs, pesquisadorxs, artistas e militantes. Geni nasce do compromisso com valores libertários e com a luta pela igualdade e pela diferença. ISSN 2358-2618

debate

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Monopólio da mídia, monopólio do corpo

No evento de lançamento da revista Geni em São Paulo, o debate lotado mostrou que muita gente está precisando demais desabafar

O lançamento do número zero da Geni tomou de assalto o Espaço da Dança na Galeria Olido, centro de São Paulo. Primeiro de junho, começo da noite, a sala foi se enchendo de gente boa, convidadxs, amigxs, curiosxs, ativistas, colaboradorxs & amorosxs. Na entrada, pencas de manifestos da Geni e manicure grátis! A intervenção nas unhas com cores abaladoras lembrava com carinho do nosso primeiro teaser e brincava com as representações do masculino e feminino.

 

Luiz Pimentel e Alciana Paulino (dominando o microfone e cantarolando “Da maior importância”) deram início aos trabalhos, apresentando os demais integrantes do Coletivo Geni, a ideia da revista, os pressupostos por trás da empreitada e conteúdo do nosso número zero.

 

Em seguida, Lia Urbini e Marcos Visnadi, também da Geni, chamaram Beto de Jesus para juntos abrirem o debate “Monopólio da mídia, monopólio do corpo: quem os meios de comunicação representam?”.

DEBATE GENI

A quem não o conhece, Beto é secretário para América Latina e Caribe da International Lesbian and Gay Association (Ilga), membro da Executiva da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT) e consultor em educação para organismos governamentais e não governamentais. Tem bastante experiência na formação de professorxs no Brasil para a temática de orientação sexual e identidade e expressão de gênero, e muito gentilmente aceitou o convite para participar do debate inaugural da Geni.

 

É Beto quem abre a mesa. Removendo uma mordaça sadomasoquista, dá o tom da sua fala: “Este é o único freio que eu permito na minha boca”. Comenta a necessidade de repensar as oposições entre masculino e feminino, percebidas em todas as instâncias sociais – a começar pela linguagem. “Por que quando eu me refiro a mim no feminino deixo as pessoas constrangidas? Ora, o masculino e o feminino são caixas que não nos comportam mais! Insistir no binarismo de gênero é perder a multiplicidade de matizes que existem entre esses dois polos.” Desenvolvendo o assunto, o convidado ressalta a importância da discussão sobre gênero e sexualidade nas escolas, já que o assunto não interessa apenas às minorias: “Questionar a heteronormatividade é fundamental para os próprios heterossexuais, para que um menino heterossexual possa por exemplo ser afetuoso com seus amigos, não jogar futebol se não quiser e nem por isso ser questionado continuamente sobre a sua sexualidade”.

 

Comentando a atuação da mídia, Beto não teve freios ao condenar a atuação higiênica que permeia os noticiários (que acham lindo e politicamente correto o termo homoafetividade, por exemplo) e reafirmam preconceitos (como no caso das matérias que ao focalizar a comunidade trans insistem no tratamento no masculino).

 

Elogiando a empreitada do coletivo, Beto reafirmou em sua fala a importância de um veículo preocupado com a pluralidade na discussão de gênero e sexualidade.

 

Integrante do coletivo, Lia Urbini apresenta a Geni como uma revista surgida da urgência de ampliar e qualificar o debate sobre gênero e sexualidade, sendo que essa tarefa se coloca dentro da luta pela democratização da comunicação. Se, por um lado, a internet favoreceu uma forma mais horizontal de circulação das informações, por outro, ainda não se pode desconsiderar o monopólio da mídia no país (a TV aberta ainda é o principal veículo de comunicação do país, seis redes privadas nacionais abrangem nada menos que 667 veículos, entre emissoras afiliadas de TV, rádios e jornais). Esse monopólio resulta, então, num monopólio da voz e num controle dos corpos – “Quais são os direitos efetivos que temos sobre nossos próprios corpos?”, pergunta. Colocada dessa maneira, a discussão sobre os corpos passa a abranger não somente o campo do gênero e da sexualidade, mas também questões de classe e raça.

 

“Historicamente”, diz Lia, “tivemos a luta pela abolição do trabalho escravo, modalidade de interação econômica estruturante da nossa sociedade, que repercute até hoje nas desigualdades de tratamento e de oportunidades e no racismo. Também tivemos, e ainda temos, diversas reivindicações trabalhistas por redução das jornadas de trabalho, regulamentação dos trabalhos e melhores condições de exercício das atividades profissionais, além de uma dívida imensa com todo sistema prisional em relação aos direitos dos apenados. Estes são três exemplos bastante comuns e presentes no cotidiano comum das pessoas e que dizem claramente respeito à situação de falta de autonomia sobre a regulação dos nossos próprios corpos.”

 

Relembrando Foucault, Lia comenta a influência da mídia na criação de discursos que legitimam relações de poder. “Numa novela, por exemplo, pode haver gays, mas desde que não questionem uma estrutura. É como se dissessem: ‘Você pode ser bicha, mas seja discreta’ ou ‘você pode ser feminista, mas também não precisa ser briguenta’.” Para Lia, uma das tarefas que podem ser iniciadas na Geni é a de apontar essas questões e propiciar que as pessoas identifiquem sujeitos e mecanismos responsáveis pela monopolização do corpo.

 

Diversos participantes tomaram voz no debate, lembrando questionamentos que mobilizaram esta Geni: reiteração compulsória da norma heterossexual, a questão religiosa, a terceira idade, como sair de um gueto e como pensar o lugar da igualdade e da diferença num espaço social ainda fixado em normas e padrões. A todXs que participaram, nossos agradecimentos. Saber que esses questionamentos não são só do coletivo dá mais força e mais vontade de continuarmos dando pra qualquer um/a.

 

Fervo pós-debate. Foto de João Romano

Fervo pós-debate. Foto de João Romano

E se você não foi ao lançamento, curte um gostinho do que foi selar o nascimento dessa revista com um brinde e uma trilha sonora significativa. É, Geni já nasceu dizendo que precisa demais desabafar – e que não vai se calar:

 

Alguns/mas participantes da revista Geni. Foto de Negrume Souza

Alguns/mas participantes da revista Geni. Foto de Negrume Souza

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