Geni é uma revista virtual independente sobre gênero, sexualidade e temas afins. Ela é pensada e editada por um coletivo de jornalistas, acadêmicxs, pesquisadorxs, artistas e militantes. Geni nasce do compromisso com valores libertários e com a luta pela igualdade e pela diferença. ISSN 2358-2618

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Homens trans, da invisibilidade à luta

Luciano Palhano relata o trabalho que o IBRAT têm desenvolvido a favor dos direitos e  da cidadania dos homens trans brasileiros

Publicado em: 12/07/2015

 

Apesar das conquistas dos últimos anos, ainda há importantes desafios relacionados à visibilidade e ao reconhecimento social das identidades individuais e políticas relacionadas às transmasculinidades. Homens trans começaram a se fazer visíveis no cenário nacional nos últimos 10 anos, e se tornaram presença mais consistente nos últimos três anos. Ainda há muito desconhecimento acerca dos homens trans.

 

Um dos maiores desafios que ainda enfrentamos em nossa organização ativista, o IBRAT,  é o fato de habitarmos um entre-lugar. Por um lado, ao reivindicarmos e ressignificarmos masculinidades, somos com alguma frequência entendidos como aspirantes a privilégios machistas. Por outro, muito mais frequentemente, não temos nossas masculinidades reconhecidas e sofremos diretamente a opressão machista: nossos corpos são lidos como estupráveis e seguem marcados pela tutela e controle que caracterizam a relação da sociedade com os corpos das mulheres. Isso impacta diretamente tanto a construção da identidade de gênero e modificações corporais quanto a vivência da sexualidade, desejo e vida social.

 

Outro grande desafio é o “não-lugar”  do homem trans nas legislações e políticas públicas de saúde, segurança, educação, empregabilidade etc. As políticas públicas são construídas a partir de um referente binário: há políticas para homens e para mulheres cisgênero. Ao mesmo tempo em que pessoas trans desafiam esse binarismo ao demandarem reconhecimento de suas identidades e corpos, surgem paradoxos.

 

Um exemplo é ter a documentação civil retificada e perder a proteção de dispositivos legais voltados para coibir a violência doméstica, ou no âmbito de relações afetivas e familiares.  Outro tem a ver com deveres exigidos para homens, mas que podem gerar constrangimento e riscos, como a situação de quitar as obrigações militares.

 

No caso de homens trans que engravidam, seja por vontade própria ou de modo indesejado, há uma série de dificuldades associadas ao reconhecimento da masculinidade e da paternidade num corpo que gera e da à luz, o que é associado quase automaticamente a mulheres, ao feminino e a expectativas de uma maternidade tida como natural.

 

Num movimento tão jovem e com desafios tão intensos, os anos de invisibilidade ainda nos desafiam cotidianamente e temos de lidar com esse constante “não-existir” existindo. Convidamos todos os homens trans, independente da transmasculinidade vivenciada, a juntar-se a nós nesta luta: juntos somos mais fortes!



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Sobre o IBRAT e o protagonismo dos homens trans

 

O IBRAT , Instituto Brasileiro de Transmasculinidades, é uma rede nacional de ativistas que atuam voluntariamente pelos direitos e cidadania dos homens trans brasileiros. Entende-se por homem trans uma identidade política que abarca todas as transmasculinidades (pessoas que foram designadas ao sexo feminino no nascimento, mas que não se identificam como mulheres), segundo a resolução do I Encontro Nacional de Homens Trans (ENAHT), realizado na Universidade de São Paulo em fevereiro de 2015.

 

O Instituto sustenta-se e consolida-se em três pilares de atuação:

  1. Desenvolvimento e incentivo à pesquisas sobre transmasculinidades;
  2. Formação política para o movimento social e incentivo à militância;
  3. Controle social de políticas públicas.

 

Organizado a partir de núcleos estaduais, o Ibrat divide-se entre as suas 5 regionais (Sul, Sudeste, Norte, Nordeste e Centro-Oeste). Cada núcleo pode ter vinculado núcleos setoriais em regiões metropolitanas ou interioranas. Atualmente, o Instituto conta com núcleos em 20 estados brasileiros e 8 núcleos setoriais.

 

Essa estrutura e articulação nacional faz parte de uma experiência política que prioriza o protagonismo dos homens trans na luta pelos seus direitos, observando e respeitando a diversidade e multiplicidade deste segmento.  Os homens trans do IBRAT participam de uma experiência coletiva de troca e levantamento de demandas para a luta política, possibilitando o reconhecimento e consciência enquanto sujeitos de direitos ativos na democracia participativa.

 

O empoderamento pessoal e coletivo dos homens trans é a principal ferramenta para sairmos definitivamente da invisibilidade no que diz respeito a políticas públicas, direitos e cidadania. O IBRAT existe e resiste através deste empoderamento e da força dos homens trans brasileiros e do apoio de nossos parceiros.  Não possuímos sede própria ou qualquer forma de arrecadação de recursos, o único patrimônio do IBRAT somos nós mesmos.

 

 

Seminários, Encontros e  Parcerias do IBRAT

 

Entre as ações do IBRAT destacamos a participação em diversos fóruns de debate e de construção política, como a realização em fevereiro de 2015 do I Encontro Nacional de Homens Trans – ENAHT. Com a presença de quase 300 participantes ao longo de 3 dias, contamos com 118 homens trans de todas as regiões do país. O evento histórico foi um dos maiores realizados no mundo para levantamento de demandas e direcionamento estratégico para a luta por direitos.

 

Em 2013, marcamos presença  no I Seminário Nacional de Saúde Integral LGBT, realizado pelo Departamento de Gestão Participativa do Ministério da Saúde. No evento, além do lançamento da portaria que passou a contemplar travestis e homens trans no processo transexualizador e do cartão do SUS com o nome social, deu-se início aos diálogos do IBRAT com o Ministério da Saúde para inserir as demandas dos homens trans na Política Nacional de Saúde do Homem.  Outra reunião está sendo marcada ainda para 2015 entre o IBRAT e  a nova gestão da Saúde do Homem.

 

Entre os parceiros, destacamos o  CFP (Conselho Federal de Psicologia) e CFESS (Conselho Federal de Serviço Social) instituições pioneiras nos diálogos com o movimento social para discutir as demandas da população de travestis, mulheres transexuais e homens trans, especialmente no que diz respeito a otimizar a atuação desses profissionais nos serviços e atendimento específicos para a população trans. O IBRAT tem orgulho de ter participado e continuar participando desses diálogos.

 

 

Conquistas do Movimento de Homens Trans:

 

O IBRAT, através de seus ativistas, participou de conquistas importantes para toda a população de travestis, mulheres transexuais e homens trans no Brasil, dentre elas podemos destacar:

 

  • Mamoplastia masculinizadora (retirada de mamas) e histerectomia total (retirada de ovários e útero):

No dia 3 de setembro de 2010, o Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou uma nova resolução sobre a assistência a transexuais no Brasil (Resolução 1.955/2010).  A partir desta data o CFM passou a considerar que os procedimentos de retirada de mamas, ovários e útero no caso de homens transexuais deixavam de ser experimentais, podendo ser feitos em qualquer hospital público/e ou privado que siga as recomendações do Conselho. Antes disso, a realização de qualquer uma dessas cirurgias para homens trans, mesmo na assistência privada, era considerada mutilação, exceto em caráter experimental. Participou desta conquista o companheiro Alexandre Peixe dos Santos, membro fundador e atualmente coordenador Regional Sudeste do IBRAT.

 

  • Homens Trans no Processo Transexualizador do SUS

Os homens trans não estavam mencionados com suas demandas e especificidades na Portaria do Processo Transexualizador do SUS até que, após uma revisão, com a participação do movimento social e dos homens trans já organizados politicamente, foi lançada a Portaria 2.803 de 19 de novembro de 2013 do Ministério da Saúde. A partir dessa portaria, os homens trans passam a ter garantido o direito à hormonioterapia, acompanhamento psicológico, mamoplastia masculinizadora, histerectomia e neofaloplastia (estas últimas em caráter experimental) pelo SUS, através de ambulatórios e serviços credenciados ao Ministério. Participaram desta conquista os companheiros Raicarlos Coelho (IBRAT), Régis Vascon (IBRAT), Alexandre Peixe dos Santos (IBRAT)  e Leonardo Tenório (ABHT).

 

  • Nome social no SUS

Com a participação do movimento social no Conselho Nacional de Saúde, Comitê Técnico Nacional de Saúde Integral LGBT do Ministério da Saúde e Conselho Nacional de Combate à Discriminação, passa a ser direito assegurado o nome social no cartão e no tratamento em todos os serviços de saúde vinculados ao SUS.

 

Para saber mais:

Dúvidas e informações: diretoriaibrat@gmail.com

Fanpage oficial: facebook.com/institutoibrat

 

Luciano Palhano é um dos fundadores  e  Coordenador Nacional do Instituto Brasileiro de Transmasculinidades (IBRAT), além de Coordenador Executivo do Fórum Nacional de Pessoas Trans Negras (FONATRAN).

Ilustração: Paloma Franca Amorim 

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