Geni é uma revista virtual independente sobre gênero, sexualidade e temas afins. Ela é pensada e editada por um coletivo de jornalistas, acadêmicxs, pesquisadorxs, artistas e militantes. Geni nasce do compromisso com valores libertários e com a luta pela igualdade e pela diferença. ISSN 2358-2618

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FARÓIS ACESOS | Sobre papas, múmias e balalaika: cinquenta tons da falta de noção

Meus óvulos furiosos sobem para meus peitos e meu ímpeto é de sair atirando laser pelos mamilos. Por Neusa Sueli

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Esse negócio de comentar fatos da atualidade deixa meus nervos ainda mais à flor da pele e faz meus mamilos parecerem dois Angry Birds, de tão inchados. Satanás, me leva, baby, que eu estou com medo deles! Isto aqui é o Apocalipse, meu irmão! Prefiro sambar nua forever no mármore do inferno a ter que conviver com tanta falta de noção!

Mas já que desci, então vamos logo iluminar essa humanidade trevosa, tirar essa calça jeans e pôr um fio dental, dar uma conferida nos faróis, uma ajeitada no sutiã [mentira, não uso – risos] e partir para o quadradinho de oito.

1. Fazendo a egípcia para estupro uma pinoia, suas múmias!

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Você, que é “brasileirx, com muito orgulho, com muito amor”; que tem internet (e a) banda larga; que #foiprarua e acordou junto com o tal “gigante”; que é gente (de) direita, honesta, humilde-que-vontade-de-chorar; que paga seus impostos em dia, junto com a prestação da casa própria; que não libera o Candy crush porque a Igreja diz que Deus não curte; que não trepa porque é pecado, mas faz amor às quartas-feiras e aos sábados; você, coisa fofa, deve ter acompanhado a onda de protestos que veio ocorrendo no Egito durante todo o mês de junho e, CERTAMENTE, deve ter ficado sabendo também que mais de 80 mulheres sofreram agressões sexuais durante as manifestações anti-Mohamed Morsi (a marmota que era presidente do Egito) que aconteceram – e ainda estão acontecendo – na praça Tahrir, no Cairo.

E, É CLARO, você deve estar tão putx quanto eu por causa disso, né? Putx não, FURIOSX. Mas você é discretx demais e não gosta de falar sobre essas coisas tristes no Facebook, né, amigue? Você prefere colocar aquelas fotos de cartazes misóginos e machistas que um bando de sem-noção carregava durante as manifestações aqui em São Paulo, né, coisa linda? “É”, você deve ter respondido. É A MINHA VULVA, ISSO SIM! Não vem fazer a egípcia com esse tipo de assunto não, porque a gilete vai gritar na sua glote e no seu pomo de adão!

[Pausa para respirar fundo. Bem fundo, porque eu estou nervosa.]

Minha gente: uma jornalista holandesa, que estava no Cairo para fazer a cobertura dos protestos, foi brutalmente violentada, ficando em estado grave. Uma companheira jornalista aqui da Geni também mandou uma matéria em que uma mulher descrevia detalhadamente a agressão (estupro) que havia sofrido em outra manifestação no ano passado, durante uma das mobilizações na praça Tahrir. Só de lembrar, eu já começo a tremer de raiva e indignação – não consigo me conformar.

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Olha, vocês sabem que eu adoro sexo, nunca neguei. Individual, em dupla, em trio, em grupo ou com um estádio de futebol lotado (<3 <3 <3); com seres animados, inanimados ou no estágio intermediário entre os dois; com mulher, homem, travesti ou transexual; seres infláveis; reinos Animalia, Plantae, Fungi, Protista e Monera. Resumindo, para mim não tem tempo fechado: bastou piscar que eu já chego batendo palmas, aplaudindo fervorosamente e jogando beijo para a galera. Sim: eu dou para qualquer um/a, e a hora que eu quiser. Mas EU TENHO QUE QUERER (estou tentando ser didática, apesar da raiva).

Cada vez que eu ouço um relato de violência sexual contra as mulheres, meus óvulos furiosos sobem para meus peitos e meu ímpeto é de sair atirando laser pelos mamilos, tipo uma Elvira, a Rainha das Trevas, reloaded. Vocês sabiam que, segundo um relatório da United Nations Entity for Gender Equality and the Empowerment of Women, NOVENTA E NOVE POR CENTO das mulheres egípcias – eu disse NOVENTA E NOVE POR CENTO das mulheres egípcias – já sofreram algum tipo de assédio sexual e que, provavelmente, no Brasil a situação não deva ser muito distinta? E você aí, né, amigue, postando sua foto do café macchiato com creme e o bolo trufado da Amor aos Pedaços no Instagram. Aos pedaços vai ficar a sua cara na hora em que eu encontrar você na próxima manifestação, isso sim!

Como é que vocês conseguem dormir à noite com uma notícia dessas, minha gente? É absurdo que nós, mulheres, em pleno 2013, ainda passemos por esse tipo de situação, sobretudo quando estamos lutando por um mundo menos ruim. NÓS NÃO TEMOS QUE PASSAR POR PORRA NENHUMA! Tá pensando o quê?! Quem esses imbecis pensam que são? Nossa, deixa eu juntar dinheiro para ir (clandestinamente, claro, porque avião é muito caro) para o Egito que esses caras vão ver!

Amigas jornalistas, amigas egípcias: toda a minha solidariedade para vocês. Não esmoreçam, não desistam. Vou dar um workshop on-line de como picotar esses indivíduos com navalha (tenho longa experiência, acreditem). Desenvolvi uma técnica de pompoarismo com florete, espada de samurai e sabre (não me olha torto que com amor e um pouco de KY para tudo se dá jeito) que faço questão de ensinar. Para mim agora é ponto de honra! Pode deixar que vou fazer um tutorial e pôr na internet para vocês! Vamos mostrar o poder das nossas pussylenes para eles, meninas!

2. Parada Gay na Ruimssia: Meuscu vai pegar fogo!

Não sei se vocês estão sabendo (eu duvido, já que vocês só usam internet para compartilhar foto de gente desaparecida e de animais para adoção no Facebook), mas na Ruimssia, na última semana do mês de junho, todxs xs amigues TTLGB que estiveram presentes na Parada Gay em São Putasburgo foram agredidxs e presxs. Todxs. TODXS. TODXS.

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[Tentativa de recobrar o autocontrole – sou fina, uso “recobrar”.]

Quando eu vi as fotos daquelas pessoas, todas ensanguentadas e feridas, quando fiquei sabendo que a terra da roleta-russa proíbe qualquer manifestação ou expressão da homossexualidade, eu desacreditei e me disse: “Neusa, maneira na Orloff porque, olha aí, você já está alucinando e não são nem 11 da manhã”. Mas eu estava sóbria.

Olha, esse povo pode até entender de Guerra Fria, mas eles que não mexam com uma mulher quente como eu que vão ver só uma coisa! Juro que pensei em comprar uma passagem para Praia Grande e ir nadando, nua, de lá até Meuscu (a capital da Ruimssia).

Vocês sabem qual é a justificativa para não deixarem que elxs se manifestem? Copia só: São Petersburgo [possui] uma legislação que pune ‘propaganda’ da homossexualidade (…) para ‘proteger os menores’ da chamada ‘propaganda homossexual’”. Ah, tá. Propaganda?! Então quer dizer que no intervalo da novela [brasileira dublada em russo] tem um comercial das TGTLB dizendo: “Oi, você, amiguinha telespectadora: não está a fim de chupar um grelo com a gente? Vem, é supergostoso!”. Ou então, depois da transmissão de um desenho animado, uma propaganda do tipo: “Já patolou seu melhor amiguinho hoje? Já agasalhou aquele croquetinho depois do dever de casa? Então não perca tempo!”. Francamente, minha gente: cadê o bom senso que mamãe pôs na garrafa de vodca, hein? Foi embora com a ressaca, né?

Acho que gente imbecil e preconceituosa devia pagar mais impostos. Porque elas prejudicam a saúde das outras, contribuindo para a superlotação dos hospitais. Que é que esse povo tem na cabeçovska, minha gente? Por que é que as minhxs amigues russxs não podem dar para quem elxs quiserem? Quem é que disse que elxs não podem? Se os cus e as xanas delxs são bala-laicxs, por que cargas d’água elxs não podem ser felizes? Tenham noção! Я прошу тебя! Пожалуйста!

3. Armando a barraca para o papa

neusa sueli papa francisco brasil

Toda uma maré de pessoas notionless invadiu as ruas em junho dizendo que “havia acordado”, chamando todo mundo para “ir para a rua”, dizendo “chega de corrupção” [insira aqui sua insatisfação, dor de dente, mágoa de caboclo]. “Nunca se viu na história deste país” tamanha preocupação com o próprio umbigo a coisa pública, um legítimo engajamento da população que, cansada de tanto gasto público com coisas supérfluas (como estádios de futebol) resolveu, então, dizer “basta” e trazer o papa para abençoar tudo isso.

“Basta” os meus pelos pubianos, isso sim!

Presta atenção, seu bando de zé ruela! Reclamar de corrupção vocês sabem, mas quando OS GOVERNOS ESTADUAL E FEDERAL custeiam a vinda do papa-mais-humilde-da-história ao Brasil, todxs aplaudem, ficam molhadinhxs de emoção, vão postar muito no Facebook. Por que é que ele não veio de econômica ou de viação Pássaro Marrom?

Por que é que eles não trazem a Madonna ou a Mariah em vez do papa? Por que é que eu, contribuinte, tenho que pagar para aquele ser, com um figurino horroroso, vir para cá, com esquema de segurança e tudo? Duvido que se trouxessem a Cher seria preciso gastar tanto com segurança. Francamente, minha gente! Cadê a noção em Cristo que vocês engoliram junto com a hóstia na última missa? Não ressuscitou com Jesus na Páscoa?

Para vocês terem ideia, a vinda do papa Chico (acho este nome tão irônico) custou R$ 118 milhões aos cofres públicos brasileiros. Cadê o pessoal do “basta”, do “chega de corrupção” reclamando? Por que é que os simpatizantes não venderam rifa e quentão nas barracas das quermesses para custear isso? Quando é “santidade” (católica) pode usar dinheiro público, né?

“Satã, tenha piedade da minha longa miséria”, já dizia o grande poeta francês Charles Baudelaire em seu Les fleurs du mal [o que é que é? Não posso citar, não? Pois fiquem sabendo que eu já chupei e dei para muitxs poetas por aí, e fiquei assim, erudita, seu bando de recalcadxs!]. Enfim, traduzindo o verso de Baudelaire para uma linguagem que vocês compreendam: “Demo, vem me buscar, porque aqui neste mundo está foda”.

Eu penso na vinda do papa ao Brasil e olha só a minha reação:

neusa foda-se

4. Cinquenta tons… da minha mão na sua cara

Sabe, gente, o pessoal aqui da Geni fez uma entrevista com uma professora especialista em literatura erótica para esta edição. Mandaram a entrevista aqui na lista interna, e eu estou aqui pensando que escrever livro erótico é muito fácil, sabe? Eu li alguns livros desse tipo – sou safada, eu e a Valeska Popozuda – e acho que vou me lançar no mercado. É bem simples, olha só:

1) pegue uma dona de casa aparentemente recatada e cheia de pudores;

2) pegue qualquer povo latino com reputação de “pegador” ou “bom amante” (isto é, que supostamente saiba ou que dizem que sabe trepar bem);

3) use tempos verbais como o “pretérito mais-que-perfeito simples”. Faça inversões de sujeito e verbo, use imagens clichês e palavras meio estapafúrdias, como “túmido”, “âmago”. Dá para usar coisas mais bizarras como “núcleo escorregadio”, “caixinha de Pandora” (imaginem só o que é que não deve sair dali!);

4) em algum momento substitua enumerações que normalmente seriam feitas com vírgulas por pontos finais. Tipo: “Andei. Sentei. Caguei”. Dizem que dá um baita “efeito dramático”.

Vejam só um exemplo, feito, assim, rapidinho:

“Ele tomou-me em seus braços, viril. Firme. Rijo. Abriu meu vértice e dedilhou-me como se fora uma guitarra espanhola. Meus seios enrijeceram, ficaram com seus bicos intumescidos, firmes como duas goiabas no verão. Sucumbi ao seu toque delicado e quente, e meu corpo explodiu num frenesi intenso. Oh, sim! Finalmente eu havia experimentado a dita petite morte, e havia ressuscitado com aqueles beijos quentes. Tórridos. Proparoxítonos. Foi um arco-íris sensual, apoteose de prazer”.

neusa sueli 50 tons

Aliás, dá para variar a área de interesse:

Filosofia:

ANAL ISANDO PLATÃO

“Ele penetrou-me como se fora a caverna de Platão e fez de meu corpo um banquete.”

Ciências sociais:

ALIENADA DE PRAZER

“Estava desprevenida quando percebi que a superestrutura dele estava exposta. Fiquei tensa, porque não queria sucumbir à fetichização da mercadoria, mas aquela mais-valia ali, diante de mim, era poderosa demais. Não resisti, e ali mesmo ele me expropriou, deflorou meu capital, percorreu o mais recôndito da infraestrutura do meu ser, e não havia ideologia alemã que pudesse me conter. Foi então que eu disse: ‘Vem, companheiro, una-se a mim. Vamos correr o mundo’.”

Artes plásticas:

EM BUSCA DA PREGA PERDIDA

“Ele estava com o Rembrandt de fora, inocente e despudorado, quando apareci na alcova, nosso ninho de prazer. Era, definitivamente, um membro impressionista, que acendeu uma chama em meu interior. Igor olhou-me com olhar lascivo e disse, lenta e sensualmente, que queria meu cubismo; mas eu temia e não assenti: era um Picasso. Passei horas contemplando aquele receptáculo de prazer e, louca de paixão, cedi: caímos numa colagem dadaísta.”

Cinema:

O SENHOR DO ANEL

“A bitola dele roçava na minha objetiva, e fazia minha lente piscar num zoom alucinante. Na verdade, nem precisamos fazer contagem regressiva para bater a claquete. Foi então que eu pedi, supliquei: “Por favor, no meu Truffaut não, baby”. Não adiantou: ele se jogou sobre mim e dizia em meu ouvido: “Deixa, bebê: eu só quero fazer você Godard”. Foi então que liberei meu Alphaville para ele. E Edivaldo se lançou vorazmente nele, num contraplongé fulgoroso. Oh, céus, senti lá dentro os 400 coups que ele me dava. Incessantemente.”

***

Em tempo: estou de luto pela noção de vocês, que, aparentemente, morreu. Só choro e ranger de dentes daqui para frente.

Continuo tentando convencer o pessoal aqui na Geni a organizar a Marcha da Noção. Se você também é a favor, escreva para a gente manifestando seu interesse, dando ideia de cartazes. Vamos partir para o ataque, minha gente!

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