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Hollywood só para homens
A objetificação da mulher no cinema estadunidense. Por Clara Lobo
Você já ouviu falar do teste de Bechdel? É muito simples. Um filme passa no teste de Bechdel se:
1. mostra pelo menos duas personagens femininas
2. tendo uma conversa
3. que não seja sobre um homem.
Parece simples, mas, acredite ou não, a maioria dos filmes de grande bilheteria não passa nesse teste: a trilogia inteira do Senhor dos anéis, por exemplo, ou – para citar outra trilogia – os filmes originais de Star Wars. Avatar quase passa (há uma cena de diálogo entre duas mulheres), mas só quase (o diálogo, infelizmente, é sobre um homem). O último Harry Potter também não chega lá. Nem filmes com mulheres como personagens principais, como Tomb Raider, escapam. Em A rede social, simplesmente não há interação entre as personagens femininas.
O que isso nos diz? Que, no cinema comercial, as mulheres, quando se relacionam, o fazem apenas por causa de um homem. Diferente de filmes como Valente, por exemplo, de Brenda Chapman e Mark Andrews, ou A hora mais escura, de Kathryn Bigelow (perceberam que os exemplos têm mulheres na direção?), a maioria das narrativas cinematográficas atuais não aprofunda as personagens femininas. Pensando nisso, a pesquisadora Stacy L. Smith conduziu um estudo na Universidade da Califórnia do Sul que aborda a desigualdade de gênero nos 500 filmes estadunidenses de maior bilheteria feitos entre 2007 e 2012.
Nele foi concluído que:
1. Mulheres são sub-representadas nas narrativas cinematográficas.
Em 2012, dos 4.475 personagens com falas pesquisados, 28,4% eram do sexo feminino – o menor percentual em cinco anos. Dos narradores, 27,5% eram mulheres. Apenas 6% dos filmes de maior bilheteria tinham elenco em que aproximadamente metade dos personagens com falas eram femininos. Apenas dois filmes tiveram um percentual maior de mulheres do que de homens.
2. Mulheres são sub-representadas no trabalho cinematográfico.
Nos cem filmes de maior bilheteria de 2012, apenas 16,7% dos 1.228 diretores, escritores e produtores eram do sexo feminino. As mulheres responderam por 4,1% dos diretores, 12,2% dos escritores e 20% dos produtores. Há uma proporção de cinco homens para cada mulher atrás da câmera.
3. Mulheres são hipersexualizadas nas narrativas cinematográficas.
Nas maiores bilheterias de 2012, mulheres são mais propensas do que os homens a ser mostradas em roupas sensuais (H = 7%, M = 31,6%) ou parcialmente nuas (H = 9,4%, M = 31%).
4. Quanto mais jovem a mulher, mais sexualizada ela será.
A proporção de adolescentes retratadas em vestuário sedutor aumentou 22% entre 2009 e 2012. Foi observado um aumento de 32,5% no percentual de adolescentes mostradas com alguma nudez entre 2007 e 2012. A tabela abaixo compara as idades das atrizes e as porcentagens de nudez nos filmes do ano passado:
IDADE |
13-20 anos |
21-39 anos |
40-64 anos |
Trajes sensuais |
56,6% |
39,9% |
16,4% |
Nudez parcial ou total |
55,8% |
39,6% |
15,7% |
O que nos sugerem os padrões acima? Que as mulheres, na tela, ainda servem primariamente como colírio para os olhos, como objetos de desejo, e raramente são mostradas como sujeitos complexos. Esses padrões, segundo a pesquisadora Stacy L. Smith, tendem a ativar ou reforçar em garotas adolescentes a auto-objetificação, a vergonha do próprio corpo e a ansiedade em relação à aparência.
Seguindo a linha que aponta para a objetificação da mulher no cinema, a revista Vulture demonstra neste artigo que, enquanto os astros de cinema do sexo masculino estão autorizados a envelhecer, as idades de seus interesses amorosos femininos permanecem firmemente na casa dos 30.
Vamos a alguns dos números?
Denzel Washington |
Idade em Malcom X: 37 anos Angela Basset: 34 anos |
Idade em Fight: 57 anos Kelly Reilly: 35 anos |
Tom Cruise |
Idade em Risky Business: 21 anos Rebecca de Mornay: 23 anos |
Idade em Oblivion: 50 anos Olga Kurylenko: 33 anos |
Richard Gere |
Idade em An Officer and a Gentleman: 32 anos Debra Winger: 27 anos |
Idade em Arbitrage: 63 anos Laetitia Casta: 34 anos |
Os resultados confirmam as suspeitas: enquanto os homens são vistos como seres humanos complexos, com características adquiridas ao longo dos anos, mulheres devem permanecer sempre em uma faixa etária em que elas sejam desejáveis sexualmente.
Nesta entrevista, a atriz Geena Davis, fundadora de uma organização sobre gênero e mídia, revela que a proporção de personagens masculinos em relação aos femininos é exatamente a mesma desde 1946. “Estamos ensinando às crianças que não considerem meninas e mulheres como as que devem ocupar a outra metade dos âmbitos no mundo. Com os retratos limitados e negativos dos personagens femininos, lhes ensinamos que as mulheres e as meninas não são iguais em importância. Nos filmes e nas séries, elas não fazem as coisas mais importantes, não têm os empregos importantes e, frequentemente, não são fundamentais para o argumento.”
“Crescemos vendo mundos fictícios com muito menos mulheres do que homens”, ela prossegue, “a tal ponto que isso começou a ser considerado normal. É por isso que as pessoas parecem não notar que há muito menos personagens femininos.” O problema da falta de uma representação adequada da mulher é grave, e se assemelha ao dx negrx, dx homossexual. Ao nos relacionarmos primariamente com narrativas em que apenas o homem (branco e heterossexual) tem valor e profundidade, reproduzimos inconscientemente esse discurso em nossas vidas. A nós, resta apenas uma posição subalterna.
Infelizmente, a planificação da mulher é uma tendência que permeia a nossa sociedade como um todo. Por isso, resolvi introduzir-me nesse tema na minha coluna deste mês na Geni. Se quiserem continuar comigo no debate, estão mais do que convidadxs.
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Ilustradora convidada: Ruth Steyer.