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Propaganda gay soviética
A homofobia do governo da Rússia atingirá os museus? Por Cecilia Rosas
Nos últimos anos, a população LGBT da Rússia vem enfrentando políticas oficiais extremamente repressivas e uma sociedade cada vez mais intolerante.
Os retrocessos políticos incluem a proibição de paradas do orgulho LGBT por todo o país, de “propaganda da homossexualidade” em público e, mais recentemente, o impedimento da adoção de crianças por casais do mesmo sexo. Pesquisas recentes afirmam que 85% da população é contra o casamento igualitário e 80% se opõe à adoção de crianças. Dentre os entrevistados, 16% acham que os homossexuais devem ser isolados da sociedade, e 5% acreditam que devem ser “eliminados”.
Apesar disso, em Moscou e São Petersburgo há uma comunidade LGBT ativa.
Cecilia Rosas
“Propaganda da homossexualidade” à moda soviética
[Publicado originalmente na revista Istorítcheskaia pravda, http://www.istpravda.ru/pictures/1970]
Todo o fervor a respeito do casamento entre pessoas do mesmo sexo despertado pelos deputados da Duma Estatal trouxe para os críticos de arte algumas questões bastante complicadas. O que fazer com a arte soviética que agora pode ser repreendida como propaganda de um vício? E o que exatamente pode ser considerado propaganda de homossexualidade? A Istorítcheskaia pravda fez uma seleção de cartazes, quadros e fotografias soviéticos que hoje em dia dificilmente passariam por um khudsoviet [conselho de censura da URSS] formado por deputados do parlamento russo
O texto do projeto de lei nº 44.554-6, aprovado pelos deputados da Duma [câmara baixa da Assembleia Federal] em primeira leitura, não dá nenhum tipo de esclarecimento: “Propaganda de homossexualidade entre menores de idade acarreta multa administrativa para cidadãos na quantia de 4 a 5 mil rublos; para cargos públicos, de 40 a 50 mil rublos; para pessoas jurídicas, de 400 a 500 mil rublos”. O deputado da Iedínaia Rossia [Rússia Unida, partido de Vladímir Pútin] Aleksandr Tchuiev, um dos autores dessa iniciativa do Legislativo, propõe a seguinte interpretação: “A propaganda de homossexualidade mantida em discurso público, em obras de exibição pública ou na mídia, inclusive aquelas em que aparecem demonstrações públicas do estilo de vida homossexual e de uma orientação homossexual, são passíveis de punição”.
Mas o que é “estilo de vida homossexual”?
Certo, vamos imaginar uma demonstração pública de uma multidão de homens nus brincando na praia – é um “estilo de vida homossexual” ou não?
Certamente o deputado Tchuiev responderá que isso não só é propaganda, mas a mais sórdida agitação homossexual.
E, no entanto, esse é o tema da maioria dos quadros de destacados artistas russos e soviéticos, entre os quais há nomes conhecidos mundialmente. E, agora, críticos de arte e funcionários de museus de todo o país estão pensando: o que fazer com esses quadros? Tirar de exposição e mandar para a reserva – quanto mais longe, melhor? Ou não prestar atenção na ação legislativa da Duma? E se de repente crianças virem?
Mas então o que vocês querem que se faça – que seja paga uma multa de 500 mil?
A Istorítcheskaia pravda decidiu mostrar a vocês alguns desses quadros que de repente viraram arte proibida.
Cartazes de propaganda soviética também despertavam associações ambíguas às vezes. Como tratar estes artefatos da história soviética agora?
Um pouco de história
Na Idade Média, o procedimento em relação à homossexualidade era ambíguo. Por um lado, a sodomia era definida como depravação pecaminosa e condenada pela Igreja. Por outro lado, as autoridades seculares não perseguiam os súditos – nem por homossexualidade, nem por outras perversões sexuais.
Tudo mudou no século 18, quando a monarquia absolutista buscava subjugar a Igreja – em consequência desse processo, o Estado começou a punir os crimes contra a moral com a Justiça secular. Por exemplo, na Marinha de Guerra britânica, contatos homossexuais eram punidos com castração, e as mulheres, por lesbianismo, tinham uma parte do nariz cortada. O Código de Napoleão, progressivo para a época, previa castigo apenas por relações homossexuais públicas ou forçadas. Já na Rússia, se começou a perseguir os homossexuais sob o reinado de Pedro, o Grande – no ano de 1706, o tsar ordenou que se queimassem vivos os sodomitas. Dez anos depois, a morte na fogueira foi substituída por um castigo corporal, mas, em casos de emprego da força, degredo perpétuo. Depois, a relação quanto ao sexo homossexual ficou um pouco mais branda – assim, no Código Penal a pederastia era punida com a privação de todos os direitos e degredo de quatro a cinco anos na Sibéria. Mas em 1903 foi adotado o artigo 516 referente à sodomia: o crime em questão era punido com reclusão de três meses ou mais e, no caso de existirem circunstâncias agravantes (por exemplo, emprego de violência ou envolvimento de menores de idade), de três a oito anos.
A Revolução de 1917 levou à descriminalização da homossexualidade: o novo regime soviético revogou todas as sanções penais por contato homossexual. Argumentou-se da seguinte maneira: “A legislação soviética não conhece esses assim chamados crimes contra a moral. Nossa legislação prevê punição apenas para aqueles casos em que o objeto de interesse dos homossexuais seja menor de idade. Mesmo entendendo a incorreção do desenvolvimento dos homossexuais, a sociedade cria todas as condições necessárias para que o isolamento que lhes é peculiar se dissipe na nova sociedade socialista”.
Tudo mudou no começo dos anos 30. A ditadura, buscando assumir o controle sobre todas as esferas da vida dos cidadãos soviéticos, não podia deixar de prestar atenção em com quem os cidadãos soviéticos dormiam. Aliás, essa era a questão mais importante. E então, em 1933, o vice-diretor da OGPU [polícia secreta] Guênrikh Iagoda escreveu em seu relatório a Stálin: “Os pederastas executaram o recrutamento e a perversão de pessoas absolutamente saudáveis como jovens, soldados do exército vermelho, da marinha e estudantes. Não temos uma lei pela qual seria possível perseguir os pederastas segundo a ordem penal. Eu acharia necessário promulgar uma lei correspondente no que se refere à responsabilidade penal pela pederastia”.
E em 7 de março de 1934 entra em vigor uma lei, segundo a qual a sodomia é qualificada como crime penal em todas as repúblicas da União Soviética. A punição era de cinco anos. Se houvesse o uso da força ou ligação comprovada com menores de idade, de oito anos.
Mas como, ao mesmo tempo, criar um culto ao novo super-homem soviético? Um culto a essa beldade proletária musculosa, ao macho viril do novo mundo? Naquela época, as autoridades fizeram um pacto secreto com os artistas; sim, a homossexualidade era proibida, mas em compensação os artistas não precisavam se conter em nada em suas obras.
Na Rússia atual, a situação se inverteu: as autoridades não se importam com quem dorme com quem, mas, por outro lado, se inquietam muito com a atividade da mídia.
Agora, os críticos de arte também estão se atormentando: devem considerar os quadros de Deineka e Petrov-Volkin “propaganda do estilo de vida homossexual” ou deixar isso para lá?
As multas não são nada baratas.
Tradução: Cecilia Rosas