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mídia & poder

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As palavras dizem tanto

Um texto sobre discurso, mídia e poder. Por Helena Zelic, da revista Capitolina

Texto publicado originalmente na revista Capitolina em 09/06/2015. Publicado na Geni em 17/09/2015.

 

capitolina

 

Quando decidi estudar letras, não sabia direito o que queria. Mal sabia que iria fugir um pouco do meu foco na literatura e me interessar tanto por uma área bem diferente, dentro da linguística: o discurso. Fui para esses cantos porque a linguagem é muito poderosa, e estudá-la me pareceu um bom mecanismo para que eu entendesse como é o uso desse poder e quais suas funções, seus alcances, suas dinâmicas. Ainda estou aprendendo, é claro – e ainda bem! –, mas penso que não era possível falarmos de linguagem nesta edição sem tocarmos no assunto do discurso, porque falar de discurso é, no fim, falar do mundo em que vivemos.

 

Explico. É através da linguagem que nos comunicamos e, mais do que isso, formulamos, reiteramos ou contrariamos ideias – cujas práticas costumam ser discursivas.

 

Temos na nossa cabeça a ideia de que discurso é apenas aquele falado por políticos e outras personalidades, durante momentos solenes – a posse da presidenta ou a entrega do Oscar, por exemplo. Esses também são discursos, evidentemente, mas discurso é ainda mais do que isso: está presente em textos (lembrando que texto não é apenas aquele escrito no papel, e sim o produto da comunicação como um todo) demarcando representações e significações do mundo. Segundo Fairclough, um importante teórico da análise crítica do discurso, “o discurso é formado por relações de poder e investido de ideologias”. Ou seja, o discurso é responsável por manter ou negar a estruturação da sociedade em determinados aspectos – mas não é o único responsável, importante lembrar. A partir desses pensamentos todos, podemos concluir: as teorias sobre o discurso nos mostram que o mundo e a linguagem não estão dissociados, mas sim diretamente interligados, e que portanto a influência em um altera os resultados do outro e vice-versa.

 

Não é lindo tudo isso? Eu particularmente acho incrível. Porque é essa linha de pensamento a chave para entendermos diversas outras complexidades e para identificarmos quais as suas influências na nossa sociedade e nas nossas vidas. Para nós, meninas, então, é megarrelevante, porque nos ajuda a expor o poder do patriarcado e algumas de suas formas de espalhar o machismo por aí – muitas vezes, entre nós mesmas. É importante então levantarmos algumas questões – sempre, para todas as coisas, é importante levantar questões, senão acabamos colocando pontos finais em assuntos que são inesgotáveis. Vamos lá.

 

 

Que mundo é esse em que vivemos?

 

Aqui no Brasil, nossa sociedade funciona a partir da junção do capitalismo, do patriarcado, do racismo e de outras opressões deles decorrentes, como a lesbo/bi/homofobia e a transfobia. O comportamento das mulheres é, portanto, moldado desde muito novas, com imposições e limitações muitas vezes moralistas sobre nossos corpos, sexualidades e possibilidades. A exposição midiática, que segue majoritariamente apenas um ponto de vista – o dominante – é uma das colaboradoras deste mundo como ele é.

 

Mulheres sexualizadas na televisão, na música, na cultura como um todo, para o prazer masculino; o reforço sobre o estereótipo das mulheres interesseiras, golpistas, histéricas e sem noção; a noia de que mulheres devem buscar seus príncipes encantados (ah, a heteronormatividade!) e, se algo der errado, a culpa é delas; a magreza branca, quase pálida, dos exemplos de princesas, modelos, protagonistas e mocinhas no geral, com corpos irreais que não correspondem à negritude do nosso país e à multiplicidade de formas dos corpos das mulheres.

 

A atribuição de todos esses estereótipos (e de um milhão de outros) é fruto da ideologia hegemônica, ou seja, dos pensamentos dominantes em nossa sociedade, que… adivinha? É machista, racista, lesbofóbica e transfóbica, e não em poucas proporções, não. Ao mesmo tempo em que as mídias reproduzem estes discursos porque o mundo é assim, também o mundo segue assim porque esses discursos ajudam muito a mantê-lo como está.

 

 

A mando de que forças e ideologias está a comunicação hoje?

 

A comunicação hoje em dia não é livre nem independente. Pelo menos não a grande comunicação. Esse poder é mantido por empresas capitalistas que unem o útil ao agradável: lucrar, ao mesmo tempo em que promovem discursos estagnadores, que ajudam a manter todo mundo quietinho sem reclamar. Estas empresas, é claro, são majoritariamente dirigidas por homens brancos heterossexuais da elite. No Brasil inteiro, a grande mídia é praticamente toda controlada por apenas 11 famílias. Sim, 11 famílias ricaças que se utilizam de suas ferramentas, seus poderes (e, bom, de concessões públicas) para divulgar informações da maneira que bem entendem.

 

 

E o que fazemos?

 

Resolve apenas mudarmos a direção dessas empresas para pessoas que não detenham todos esses privilégios? Acho que não. A representatividade é importante sim, mas a mudança do discurso é absurdamente urgente. E a democratização da comunicação também, para que nós, que não somos homens-brancos-hétero-ricos, tenhamos voz a partir de um novo modelo de comunicação que abranja as nossas vivências, nossas demandas, que nos ajude a construir o mundo que queremos.

 

Se botarmos a mão na massa, falarmos por nós mesmas, trocarmos nossos conhecimentos, informações e experiências de uma forma feminista, já estaremos colaborando. Se, ao invés de só ouvirmos a grande mídia, procurarmos as mídias alternativas e independentes, também estaremos mostrando quais discursos nós achamos que valem a pena ser espalhados. E o que é a Capitolina se não o exemplo disso? Poderíamos ser apenas 80 meninas insatisfeitas com a grande mídia voltada para adolescentes. Mas, além disso, também fomos atrás de construir o nosso próprio meio de comunicação, em um modelo muito mais democrático, horizontal e voltado para as pessoas, não para o lucro.

 

Com muita felicidade, acredito que estejamos fazendo diferença. Acredito que estamos caminhando rumo a uma comunicação mais feminista, ao desmantelamento dos discursos machistas que limitam nossas vidas, rumo a uma sociedade não apenas mais feminista, mas também muito mais plural, livre e divertida.

 

***

 

 

Aproveito e deixo aqui um vídeo do Coletivo Intervozes, que pauta o direito à comunicação:

 

 

E este vídeo sobre as mulheres na mídia, produzido pela Articulação Mulher e Mídia com apoio da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres:

 

 

E essa vinheta engraçadinha da Executiva Nacional de Estudantes de Comunicação Social:

 

 

Helena Zelic tem 19 anos e mora em São Paulo, onde estuda letras. Gosta bastante de linguística, filmes, desenho, bolotas de queijo bem crocantes e mais um monte de coisas. Não para quieta nem um segundo. Passa boa parte de seu tempo militando pelo feminismo, e é nessas horas que aprende muito sobre o mundo e sobre a vida. Você encontra mais textos dela na revista Capitolina.

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