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ESCULACHO | Enterra-se uma para nascer outra
A morte da Lucy Lima e o enfrentamento do medo. Por Alciana Paulino
Muitas pessoas podem falar sobre os pontos positivos do medo, mas hoje xs convido a refletir sobre os negativos. Nada mais aprisionante do que o medo. Deixamos de ser quem somos e ficamos mais distantes de quem queremos ser.
Quando guiadxs por ele fazemos escolhas estúpidas e nos contentamos com o “não consigo”. Se tiver um pouco de jogo de cintura, você acaba por desperdiçá-lo, entretendo-se com outras coisas e dizendo que está tudo bem – mas não, não está.
Há algum tempo atrás fui convidada por um querido amigo para fazer parte da construção coletiva de uma revista sobre sexualidade e gênero. Recebi o convite por e-mail e a minha resposta foi: quero ajudar, mas não sei como. Com o apoio dele, Marcos Visnadi, resolvi retomar um antigo projeto: escrever sobre meus temas caros como Lucy Lima. Nessa época ela já existia e tinha vida própria.
A Lucy me protegia
Desbocada, crítica, bagunceira e que namora a iconoclastia. Criei e me apaixonei pelo personagem. Às vezes, para sair de casa, eu me montava de Lucy Lima, precisava da ousadia dela. A criei para perder o medo de escrever, para – de alguma forma – falar o que queria com liberdade, mas ela ganhou vida. Já saí com pessoas que não me conheceram, mas tiveram o prazer de conhecer a Lucy. A coisa estava ficando estranha.
Se me perguntarem quem é a Lucy Lima, terei milhares de histórias para contar. Mas no limite ela era a minha projeção. Temos muito em comum, mas a maior diferença é que ela não sentia medo. Eu, em contraponto, sempre senti.
A Lucy me protegia de tudo, da exposição, das críticas, e principalmente me permitia não encarar os meus temores. Ela era forte, eu não.
A necessidade de matá-la
Eu tenho tanto carinho por ela, e fiz com que minha turma sentisse o mesmo. Uma série de amigxs a conhecem e adoram conviver com ela. Mas eu só posso dar a cara a tapa se ela se for. É chegada a hora de dissolver a esquizofrenia, e isso só será possível matando Lucy. Convivemos bons anos, mas seu assassinato é meu único caminho.
Lucy, você morre para que eu possa sair do escuro e gélido armário. Para que eu banque a vida do jeito que eu quero que ela seja e para que eu possa ser mais eu. Como legado você me deixa seu peito arreganhado, sua risada larga e seu cinismo. Como responsabilidade, herdo a coluna Esculacho, a qual honrarei em sua memória. Fique tranquila, farei uma bela festa de funeral para comemorar sua partida e minha chegada.
Mas quem é Alciana Paulino?
Para quem acompanha a coluna e leu o texto da Lucy no número zero, saiba que sou tudo isso, só acrescento o fato de ser corintiana e estar num processo de reavaliação constante.
Vai ser bom conversar com vocês, sem o intermédio dela.
Leia outros textos de Alciana Paulino e da coluna Esculacho.
Ilustração: Bruno O.