geni no mundo
casamento igualitário, Chile, direitos LGBT, Geni no Mundo, Michelle Bachelet, número 15, Pedro Magalhães, Victor Farinelli
No Chile, Bachelet honra compromisso com os direitos LGBT
Projeto de lei sobre união civil pode acelerar debate a respeito do matrimônio igualitário no país trasandino. Por Victor Farinelli, de Santiago
Na política, nem sempre as prioridades das pessoas conseguem se impor – para não dizer que quase sempre acabam se submetendo aos caprichos partidários. Mas, quando conseguem, também é preciso aplaudir, ou pelo menos destacar-se como modelo.
Exemplo disso é o que tem acontecido no Chile, com alguns projetos de lei ligados à causa LGBT, em um país que viveu, este ano, uma mudança de presidentes cercada de dúvidas por todos os lados.
Primeiro porque o presidente que saiu, Sebastián Piñera, apesar de ser declaradamente contra o matrimônio entre pessoas do mesmo sexo, tentou mostrar-se como referência de uma direita mais tolerante. Nesse sentido, criou a Lei Antidiscriminação, depois da morte de um jovem homossexual torturado por um grupo de neonazistas, e a LVC (Lei de Vida em Casal), que garante direito de herança a casais homo e heterossexuais que tenham pelo menos dois anos de convivência juntos. Esta última, no entanto, não foi aprovada devido às forças conservadoras que apoiavam o então governo e paralisaram a pauta por dois anos.
Logo, a presidenta que retornou, Michelle Bachelet, era a própria incógnita. A socialista, que em seu primeiro mandato dizia não acreditar no matrimônio entre pessoas do mesmo sexo, hoje o defende, com direito a adoção. Essa contradição era a principal sombra da sua postura sobre o tema, mas ela conseguiu resolver isso de uma maneira tão natural que chegou a ser surpreendente.
LVC e matrimônio
A lógica do “meu nome primeiro” ditando a agenda política não é diferente no Chile. Vale dizer que, em outros tempos, numa situação dessas, o novo governo simplesmente abandonaria o projeto da LVC para impulsar o seu projeto. A forma que Bachelet encontrou para se mostrar confiável ao mundo LGBT foi simplesmente não fazer isso.
O novo governo chileno deu prioridade à aprovação da LVC, apesar de ser um projeto do opositor presidente anterior, e pretende aprová-la ainda este ano. Também encontrará resistência, já que na coligação governista está o Partido Democrata Cristão, embora alguns senadores da legenda já tenham manifestado que votarão a favor. Somente depois de promulgada a LVC, será protocolado o projeto de lei (cujo texto já foi apresentado) que reconhece o matrimônio civil entre pessoas de qualquer orientação sexual e também seu direito a adoção de menores.
Isso faz toda a diferença. Se apostasse exclusivamente em seu próprio projeto, Bachelet teria que começar do zero com uma proposta nova, que pode tardar anos em vencer a resistência conservadora do parlamento, incluindo a da sua própria coligação. Com o foco na aprovação da LVC, sem medo de que os créditos fiquem com seu maior rival político, ela mostra que sua prioridade é garantir desde já um direito a mais para a comunidade LGBT, enquanto se espera que avance o novo projeto sobre o matrimônio.
Entendidos entenderão, como diz a máxima. Efetivamente, a agenda de valores do governo tem sido efetiva ao impulsar suas ideias, tanto que conseguiu isolar o partido UDI, o mais conservador do país.
Em recente debate sobre o contraste dos dois projetos, num importante programa de televisão local, uma senadora da UDI lançou o novo argumento do discurso antigay da direita chilena: dizer que o matrimônio não pode ser só um direito, e também deve estar baseado em deveres, como o dever da fidelidade para com o cônjuge. Uma indireta baseada na velha caricatura de que os gays são promíscuos, sem considerar que muitos são tão monogâmicos quanto os heterossexuais. Mas o argumento não durou meia hora, transformando-se rapidamente em piada nas redes sociais.
Para completar, Bachelet também incluiu a promoção de conceitos antidiscriminatórios na Reforma Educacional – projeto estrela do seu governo – na parte em que se discute a reforma do conteúdo programático dos colégios públicos. Ou seja, vai haver kit gay no Chile, como também kit povo originários, kit pró-imigrantes e kit pró-feminismo, e talvez até outros.
É preciso esperar que essas mudanças sejam confirmadas antes de comemorar qualquer coisa. Porém, é animador ver que o debate sobre direitos LGBT no Chile esteja, atualmente, pautado pelo respeito e não pelo obscurantismo.
Victor Farinelli é correspondente do Opera Mundi no Chile e colabora
eventualmente com Revista Fórum, Carta Capital, Blog Maria Fro e Geni.
Ilustração: Pedro Magalhães