ecofeminismo
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Tirar o androcêntrico do mundo
Ecofeminismo e outros caminhos. Por Zuiri Méndez, da Costa Rica
Publicado em 28/10/2015
Por esses dias, estávamos escutando Ochy Curiel, compartilhando entre nós os seus saberes do black feminism, do afrofeminismo, das raízes no pensamento de lindas mulheres lésbicas, afro, conhecedoras do blues e de espiritualidades aquosas de Yemanjá e Oxum. Refrescando [a memória] que é das mulheres negras que surge a proposta de sempre nos pensar a partir de nossos lugares de fala e também desta linda aposta de pesquisar a nós mesmas, como diria Silvia Rivera Cusicanqui.
Estas conversas me levaram à recorrente noção que nossas experiências nos contam: do patriarcado como uma prática que naturalizou a espoliação dos corpos das mulheres, apropriando-se deles para controlar e explicar o mundo, e que a heteronormatividade nos acostumou a viver no mundo dividido em um binômio que legitima o modo de produção doméstico e a apropriação individual e coletiva dos nossos corpos.
O que me levou a pensar que o ecofeminismo é parte da necessidade de compreender o mundo em suas complexidades, a partir de todas as suas arestas e que, quando eu o ouvi pela primeira vez, me fez pensar nas dominações em todos os seus espaços. E o poder, no seu caos, do patriarcado junto com o capitalismo e o colonialismo, nos confronta a um emaranhado de dominações, às quais resistimos em todas as esferas cotidianas possíveis.
Uma das perspectivas do ecofeminismo, dentro dos ecofeminismos, reforça a revelação de que giramos e nos construímos ao redor de uma visão androcêntrica do mundo: o homem sobre a natureza, a ordem e controle sobre o caos, o homem e o masculino, como a civilização sobre o irracional; e portanto o irracional como o feminino, o selvagem, a terra, o conquistável, o exportável.
E colocou temas muito urgentes para pensar, em especial um que passa pelo corpo: o questionamento da identidade viril baseada na tecnificação, na industrialização, na competência individualista que usa os corpos das mulheres para reproduzir mão de obra barata em uma sociedade autodestrutiva, que explora a natureza, e que, ao destruir a natureza, nos destruímos todes, tal qual animais que somos, parte de todos os seres deste planeta.
Essa é a lógica do desenvolvimento, dos megaprojetos: devastar, destruir, deslocar comunidades inteiras para extrair sistematicamente minerais, água, comida, energia; inventar megatratados como os TLC’s (Tratados de Livre Comércio), o Plano Puebla-Panamá, o IRSA, o Tratado Trans Pacífico (TPP) e tantos acordos comerciais neoliberais da América Latina ou Abya Yala.
Conversando com as companheiras da Caravana Climática pela América Latina, nos encontramos em um panorama onde as mulheres são as principais afetadas por estas práticas de desenvolvimento androcêntricas, que partem da espoliação do território-terra e do território-corpo. Porque as mulheres opõem mais resistência a migrar ante as ameaças e violências dos megaprojetos, ainda que tenham um acesso limitado a propriedade da terra e sejam chefes de família sem grandes direitos. São também as mulheres que têm acesso restringido a uma alimentação saudável e sofrem na sua saúde de transtornos produzidos por agrotóxicos, por tanto monocultivo, sendo a maioria em organizações de defesa da semente crioula, nas lutas contra os transgênicos.
Na Costa Rica, por exemplo, as mulheres indígenas bribris estão liderando um processo de recuperação das suas terras ancestrais, rodeadas de monocultivos de abacaxi da corporação Dole e ataques violentos de latifundiários, polícia, fiscais, governo. Ou ainda, são as mulheres na Puya, na Guatemala, que fizeram um plantão para impedir a entrada da maquinaria para a construção de uma megamina na sua comunidade. Como elas, milhares de casos emergem em todos os territórios, pois os habitamos mulheres, e neles, onde a vida e as cosmovisões ancestrais estão em perigo de despojo, as mulheres são um centro de organização contra sociedades misóginas e androcêntricas.
Vale uma elucidação de que de um dos caminhos do ecofeminismo, é necessário ter cuidado, porque não se pode naturalizar as mulheres como a terra, nem o feminino como o pachamâmico, porque existem aí misturadas perigosas afirmações de conceber o feminino e a terra, como o que tudo dá, tudo entrega, dá vida, é bondosa, tudo perdoa. E a terra, como todos os seres, somos selvagens, caóticos, imprevisíveis; não podemos perder de vista que uma das grandes contribuições do feminismo é identificar que este tipo de comparações não são naturais, são na verdade uma construção social para legitimar uma sociedade patriarcal que usa estes argumentos para naturalizar opressões.
Ao reapropriarmo-nos das nossas decisões sobre o corpo, decidimos se queremos ou não uma gravidez, se queremos ou não uma família, se queremos estar com uma pessoa do mesmo sexo ou se queremos uma terra e alimentos contaminados com agrotóxicos e mananciais estragados pela indústria mineira, rios represados por hidrelétricas, espaços misturados que nos lembram que somos uma coisa só: terra, pessoa, comunidade.
Talvez, o mais importante é que entre tantos caminhos, os mais comuns são os das pessoas que nas suas práticas, sem se chamar feministas, ecofeministas, anticapitalistas, estão todos os dias nas suas ações fazendo algo contra o despojo, a colonização, as desocupações, o androcentrismo, as injustiças e mantém lindas hortas em quintais agroecológicas, como as quase 400 famílias próximas à Central Campesina Chortí, na Guatemala, defendendo o território da sua própria casa.
Tradução: Juliana Bittencourt
Fotos: Gui Mohallem