Geni é uma revista virtual independente sobre gênero, sexualidade e temas afins. Ela é pensada e editada por um coletivo de jornalistas, acadêmicxs, pesquisadorxs, artistas e militantes. Geni nasce do compromisso com valores libertários e com a luta pela igualdade e pela diferença. ISSN 2358-2618

coluna

, , , , , ,

TUTTOMONDO | A cara do futuro

Répteis, mamíferos e outras formas de vida. Por Marcos Visnadi

Explodir berçários. O futuro será a ditadura do rosto humano, gente em toda parte. Entro na maternidade e implanto bombas sob os berços. Faço isso pro seu bem. A humanidade é um vírus. Imagine um futuro diferente para o HIV: irrompeu há 100 mil anos. A evolução inteligente se deu nos répteis. Eles escavam com garras o chão na procura do passado. Encontram primatas estranhamente eretos dizimados pelo contágio vertical. Nascem os filhos piores que os pais, morrem em alguns dias. Se sobreviviam, depois vinha alguém e os degolava. Espalharam o sangue pela terra na esperança de matar todo o resto. A conferência científica acontece num auditório ao sol. Somos bichos de sangue frio.

 

Tiram ele duma sala escura. Está mole, colocam num feixe de luz de outra solitária. “Vai falar?” Já falou tudo. Repete: “O planeta não suporta tantos répteis. Fiz o que ninguém tem coragem de fazer: quebrei os ovos do berçário com martelo. Sistematicamente desde 1995, alternando cidades grandes e pequenas em vários países para que não pensassem que é um método”. As primeiras notícias que ligavam os acontecimentos diziam de uma seita. “Com quem você trabalha?” “Sozinho. Mas, se Deus existe, ele está comigo.”

 

Descobri que existe uma prática chamada pozzing. O sujeito diz “quero ser infectado” e procura um soropositivo pra transar sem camisinha. Em alguns casos, filma. Descobri que nos Estados Unidos é muito comum uma tatuagem que indica que o sujeito é soropositivo: o símbolo internacional de risco biológico. Pode ser trágico e irônico. Em vários países, políticos conservadores defenderam que soropositivos fossem tatuados nas nádegas, nos anos 80.

 

Conheço muitas pessoas que transam sem camisinha. Algumas delas sabem que têm HIV. Conto pra uma amiga e ela diz: “Você não acha isso um problema?”. Faço uma lista das coisas que acho um problema. Em Uganda, querem passar uma lei: qualquer adulto soropositivo que tenha uma relação sexual pode ser condenado à morte.

 

Coisas que eu acho um problema:

 

a proliferação da raça humana.

 

Vamos encontrar logo uma solução. Deus não nos livra de uma solução. Logo aparece alguém e resolve tudo. Quero ter um bicho de estimação e procuro num site sugestões de quais posso ter. Outros répteis, ok. Menos evoluídos que nós, mas também têm sentimentos. E acompanham o dia a dia da família. Alguns mamíferos: gatos, cachorros, ok. Evite primatas. São fofos, mas trazem doenças.

 

Já não tenho o sistema imunológico comprometido. Daqui a uns anos, não vou ser preso por assassinato em série, genocídio. A primavera começou com grandes esperanças para todos os seres vivos. Há 250 mil anos, uma praga exterminou os poucos primatas que desenvolveram um complexo mecanismo nas extremidades dos membros dianteiros, que lhes permitia se agarrar às coisas de um modo muito específico. Imagine um futuro em que esses bichos tivessem evoluído. Uma mão de fumaça cobre o céu e tapa o sol. Nossos corpos ficam moles porque o sangue é frio e não se mexe. Amanhã preciso passar no hospital para pegar o resto dos remédios. Passo a tarde preparando as bombas e fazendo, mentalmente, uma lista das coisas que acho que são um problema.

10-47 minotauro ALTA

Leia outros textos de Marcos Visnadi e da coluna Tuttomondo.

Ilustração: Gui Mohallem.

, , , , , ,