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DA SHANA | 2033
Assim renasce uma diva decadente. Por Shanawaara
Publicado em 14/12/2015
Interna. Salão do Copacabana Palace. Tarde.
Um telão no fundo do cenário apresenta o logo da Petrobras, do Campeonato Brasileiro 2033, do Corinthians e do Flamengo. Uma poltrona azul-marinho e uma mesa com um copo de uísque.
APRESENTADOR
Boa tarde a todos.
ALGUÉM DA PLATEIA (gritando)
Todas.
APRESENTADOR
Vamos dar início à nossa coletiva de imprensa para apresentar os detalhes do show do Intervalaço 2033. Desde o fim dos pontos corridos o clássico das multidões não encerrava o Brasileirão Petrobras. Corinthians e Flamengo disputam o principal campeonato do país. E o show deste ano não poderia ficar abaixo da importância desse clássico: 345 profissionais, 64 bailarinos, duas toneladas de equipamentos e apenas uma estrela. Senhoras e senhores, ou “tesões de minha vida”, como ela mesma diz, com vocês: Shanawaara!
Aplausos. Shanawaara entra sorrindo. Acena à platéia. Cumprimenta o apresentador com dois beijos. Fala algo em seu ouvido colocando a mão na frente da boca. Ele responde “sim” com a cabeça. Ela senta na poltrona. Pega o microfone.
SHANAWAARA
Boa tarde, tesões de minha vida.
Imprensa aplaude. Ela dá um gole no uísque e cruza as pernas deixando aparecer levemente a cueca preta.
SHANAWAARA
Podemos começar.
APRESENTADOR
Começamos nossa coletiva agora com Michelle Soares, do Na rede é gol.
MICHELLE
Olá, Shana.
SHANAWAARA
Olá, Michelle. Como vai?
MICHELLE
Estou bem. Fazia tempo que não te via. Você parece linda.
SHANAWAARA
Muito obrigada.
MICHELLE
Minha questão: Você anda afastada da mídia. Há três anos não faz um show e foi com muita surpresa, espanto e felicidade que recebemos a notícia de que você seria a estrela do Intervalaço 2033. Desde o anúncio, houve boatos que, de alguma forma, você poderia ter sido favorecida pelo romance com Diego Carvalho, o atual presidente da Confederação. Na última gestão, Carvalho foi pego…
SHANAWAARA
Então, Michele. Eu gostaria de agradecer a sua pergunta e a oportunidade de esclarecer esses boatos maldosos. Eu e Dico estamos muito felizes e imagino que a felicidade incomode algumas pessoas. Esse momento longe dos palcos e holofotes foi um respiro necessário para mim. Continuei produzindo, escrevendo e compondo. Não estava pensando em voltar. Foi num encontro entre o Dico e o Artur Cavalli, da Sul-americana, que surgiu a ideia de me chamar pro Intervalaço. A proposta é revisitar os sucessos da minha carreira. Foi um convite tão carinhoso que seria uma deselegância recusar.
MICHELLE
Os seus últimos romances foram todos com grandes produtores do show business…
SHANAWAARA
Não seja tão generosa.
Imprensa ri.
SHANAWAARA
Ando bem quieta nos últimos tempos. E as saunas me acolheram muito bem antes do namoro com o Dico. É absolutamente natural para uma grande estrela o envolvimento com famosos e influentes. Interesses amorosos, minha querida.
APRESENTADOR
Temos uma pergunta do Sampaio, do programa Toca pra dentro.
SAMPAIO
Shanawaara. Como vai?
SHANAWAARA
Eu vou bem, Antônio. E você?
SAMPAIO
O tempo parece ter sido leve com você. Está linda.
SHANAWAARA
Sempre um galanteador. E você cada vez mais charmoso.
SAMPAIO
Gostaria de fazer uma pergunta sobre o episódio do Hotel 快樂的妄想, de Pequim.
SHANAWAARA
Minha nossa. Faz tanto tempo isso. Nem me lembro mais.
SAMPAIO
Algumas questões não ficaram bem esclarecidas para a imprensa internacional. Quando você foi levada à delegacia, depois de destruir o quarto do hotel, a imprensa chinesa…
SHANAWAARA
Não houve destruição.
SAMPAIO
E as fotos do quarto?
SHANAWAARA
Não estava destruído. Estávamos comemorando o show. Aqui no Brasil seria tranquilo, mas o pessoal de Pequim é mais quadradão, não pegou muito bem. Foi um desentendimento cultural. Os funcionários do hotel disseram que bateram duas vezes no quarto antes de chamar a polícia, mas a gente não ouviu. Estávamos ouvindo “Shanatal” no repeat. Quando vimos, a polícia já estava na porta e o Silvinho tinha um pouco de drogas. Fomos detidos por porte. Um exagero.
SAMPAIO
Eram 150 gramas de cocaína.
SHANAWAARA
Pois é. Pesaram só no fim da noite. Pra encerrar a questão: eu realmente não tenho nada ver com isso. Eu nunca gostei de pó. Dá bode no dia seguinte, dois dias pra voltar ensaiar. Não podia me dar ao luxo durante uma world tour. Acabei indo pra delegacia porque o quarto estava em meu nome. Uma questão de identificação.
Olha rapidamente para o apresentador.
APRESENTADOR
Sandra, do Queer Sensation.
SANDRA
Boa tarde, Shanawaara. Desde “No swing da Shana”, você não emplaca um novo sucesso. Existem muitas canções até o início dos anos 20 que seus fãs iriam amar rever. Qual foi o critério da escolha do repertório? Você vai priorizar os grandes sucessos ou as músicas atuais?
Shanawaara dá uma golada seca matando o uísque. Olha para o apresentador. Olha para o copo. Arruma as pulseiras que tilintam.
SHANAWAARA
Então, Sandra. No Intervalaço 33 vou cantar tanto os hits quanto as músicas da minha fase menos comercial. Claro que os grandes sucessos dos anos 10 serão obrigatórios. E vamos fazer novas versões de algumas músicas. O “Berrante”, por exemplo, ganhou uma cara eletrônica gótica funk carioca. Dialoga com as minhas batidas do fim dos anos 20. “Nenhuma das anteriores”, vamos manter a versão do O amanhã já é hoje, mai love, World Tour. As coreografias serão completamente novas também. Estamos misturando circo, dança indiana, pornochanchada, tai chi e frevo. Tá lindo. Vamos ver se eu vou ter fôlego pra tudo isso, né…
Um repórter começa a falar sem microfone. Garçom entra e enche o copo de Shanawaara.
TONY
Shanawaara. Desculpa interromper. Sou Tony, do Celebrizante. Dançarinos da sua equipe disseram que os ensaios estão sendo feitos com playback depois de tentativas frustadas de cantar e dançar ao vivo. Você irá usar playback no dia do show?
SHANAWAARA
Nunca uso playback nos meus shows, Tony.
TONY
No Brazilian Queen Festival você utilizou em algumas canções.
SHANAWAARA
Eu cantei o tempo todo.
TONY
E na posse da prefeita de Osasco, você também cantou o hino da cidade em playback.
SHANAWAARA
Aquilo foi porque não tive tempo de ensaiar com a orquestra. Vocês sabem que sou perfeccionista. Não me senti segura para cantar ao vivo. Era um momento absolutamente importante para mim e para a cidade. A esquerda tinha retomado o poder após 16 anos. Uma prefeita assumidamente sapatão e minha amiga pessoal tinha ganhado as eleições depois das revoltas da Grande São Paulo. Nenhuma fã reclamou. Todos estavam emocionados. Apenas a imprensa deu projeção para isso. Essa técnica é absolutamente normal na indústria do entretenimento. Me sinto orgulhosa da minha performance. Próxima questão.
APRESENTADOR
Walter, da revista Baba na Bola.
WALTER
Shanawaara, desde a volta dos pontos corridos, Corinthians e Flamengo não fazem a final do Brasileirão. No Brasil, só se fala do clássico das multidões. Pra quem você vai torcer nessa final?
SHANAWAARA
Todo mundo sabe que aqui é Curinthia. Acho que esse ano o caneco vai ser nosso. Inclusive, fiquei muito feliz quando me disseram que a final ia ser no Itaquerão. E o Curinthia não tem um time tão bapho desde o tetra mundial. Acho que o Gago acertou no 3 x 5 x 2. Deixa o Rodrigo mais solto na lateral direita e o time fica mais ofensivo. O Tiagão também fez um campeonato excelente. Ele já é o artilheiro, né?
APRESENTADOR
Sim. Ninguém mais consegue ultrapassar a marca dele.
SHANAWAARA
Mas tenho grande simpatia pelo Mengão também. Na verdade, será um clássico mara. O Flamengo tem o Cardoso que tá numa grande fase. E ele mostrou um poder de decisão no mata mata. Além de estar ansiosa pelo show, tô nervosa pelo jogo. Que vença o melhor, mas “Vaaaai Curinthia”.
Imprensa aplaude. Imprensa vaia. Shanawaara sorri.
APRESENTADOR
Nossa última pergunta. Renata Campos, da revista Pinta.
Ouve-se uma confusão no fundo do salão.
LUCY LIMA
Olá, Shanawaara. Tudo bem?
Shanawaara faz uma expressão apreensiva.
SHANAWAARA
Onde você está?
LUCY LIMA
Aqui no fundo. Lado esquerdo.
Shanawaara faz uma expressão preocupada. Disfarça.
SHANAWAARA
Lucy Lima (pausa). Como vai? Quanto tempo…
LUCY LIMA
Desde a Conferência em Buenos Aires.
SHANAWAARA
Córdoba.
LUCY LIMA
Tempos que não voltam mais, querida. Tenho uma questão para resolver com você: em meados dos anos 20, antes da sua decadência completa, você foi citada na Operação Lágrimas de Cabíria, da Polícia Federal…
SHANAWAARA
Minhas advogadas nunca receberam nenhuma intimação. E até onde sei esse caso foi arquivado. Acho que podemos encerrar a coletiva. Eu gostaria de agradecer a todos e a todas. Domingo, vai…
LUCY LIMA
Existem provas que apontam que você foi mentora de um plano meticuloso que colocou as editoras da revista Geni na cadeia. Falsificou documentos. Deu a elza na Suíça. Lavou dinheiro. Na epoca, foram encontradas fotos suas com traficantes do Rio de Janeiro.
SHANAWAARA
São meus amigos pessoais. Nunca tive negócios com eles no passado. Não mantenho negócios com eles no presente. O futuro a Deus pertence.
Olhar fulminante ao apresentador.
APRESENTADOR
Nos vemos domingo na final do Brasileirão Petrobras 2033. Agradecemos a presença…
LUCY LIMA
Você acabou com a revista Geni. Foram mais de três anos pra Marketchy comprovar sua inocência. Carolina nunca mais recuperou a sanidade mental. Seduziu Lili. Destruiu uma família.
SHANAWAARA
E você se aproveitou dessa situação e transformou a Geni num império.
Imprensa simula espanto. Flashes. Burburinho no salão.
SHANAWAARA
Como irmãs separadas na maternidade, Lucy Lima. Não era assim que todos diziam? Artigos memoráveis, festas libidinosas, amantes internacionais. Dois conceitos em nossos corpos: poder e riqueza. Você nunca foi santa. E quem naquele tabloide de esquerda pode atirar a primeira pedra? Responde. (pausa) Silêncio. (pausa) Ouço apenas o silêncio. São sete pecados: luxúria, preguiça, gula, cobiçar o LGBTQI do próximo… Cai o rei de paus. Não sobra nada. Cada um vai pra guerra com as armas que possui (mostra as coxas). Se existe alguma nova denúncia contra mim, nos encontramos nos tribunais. Não será a primeira nem a última vez que isso irá acontecer, Lucy Lima. Será um prazer. Escândalos me interessam. Que vença a melhor.
Cai a cortina.
Imprensa aplaude.
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Ilustração: Thiago Fonseca