Geni é uma revista virtual independente sobre gênero, sexualidade e temas afins. Ela é pensada e editada por um coletivo de jornalistas, acadêmicxs, pesquisadorxs, artistas e militantes. Geni nasce do compromisso com valores libertários e com a luta pela igualdade e pela diferença. ISSN 2358-2618

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FARÓIS ACESOS | Meu Cu

Vou criar um aplicativo também. Pretendo avaliar o nível de noção das pessoas, e já aviso que todo mundo está devendo pontos. Por Neusa Sueli

Fim de ano: época da poluição visual gritar nas fachadas e salas de estar de todas as casas brasileiras, de investir 30% do seu 13º salário naquele lombinho defumado, de vestir branco (com calcinha vermelha), de mentalizar amor e pular sete ondas, de beber cidra de pêssego na praia, acender vela para as entidades. Essa vida é muito boa, né, minha gente? Se eu soubesse que era assim, não teria subido. Tinha continuado me bronzeando no mármore do Inferno.

 

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Lulu de cu é rola: presente de grego

 

Que a vida não é fácil, todo mundo sabe, mas, convenhamos, o ser humano sempre dá um jeito de dar uma pioradinha, né? Não basta fazer o panetone: tem que enfiar uva-passa até o talo, claro.

 

No mês de novembro, essa maravilha chamada internet brindou as brasileiras com um fantástico “presente”: foi lançado por aqui um aplicativo chamado Lulu (que já era sucesso nos EUA), por meio do qual as mulheres podem dar notas aos homens que conhecem, ajudando (sic) suas amigas a não cair nas garras de cafajestes.

 

Teve gente que festejou o aplicativo, dizendo que ele era, inclusive, “feminista” [ainda bem que vocês não estão vendo minha cara neste instante], porque colocava as mulheres num papel que sempre fora dos homens: o de avaliar, classificar, dar nota, enfim, determinar o que numa pessoa é bom, atraente, e o quão interessante ela é.
Pausa para enterrar a calcinha no rego (de tanto ódio): Tem gente que acha que “feminismo” agora é o novo “sucateamento do ensino”: dá para colocar essa expressão em qualquer frase. Antes era: “– Querida, nunca aconteceu isso comigo. – Ah, não esquenta: se não fosse o sucateamento do ensino, certeza que subiria”. Agora, é assim: “– Curte sem lubrificante? – Não, meu feminismo é meio apertado, nem rola.” Francamente, cambada de sem noção!
Desde quando uma mulher agir como um homem babaca é ser feminista, hein, população brasileira? Desde quando se colocar na posição de algoz, desqualificando o corpo, o agir e a sensibilidade do outro é ser feminista? FEMINISMO VAI SER A MINHA MÃO NA FUÇA DE VOCÊS! Isso é um “presente de grego”, isso sim, e, grego por grego, prefiro mil vezes o “beijo” [piscadas de emoção].

 

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“Quando você quer saber sobre um cara, você não quer saber em quem ele votou ou sobre o que ele escreveu num trabalho na faculdade. Você quer saber se ele tem boas maneiras, se ele é legal”, diz a criadora do aplicativo, a jamaicana Alexandra Chong, ao justificar sua “brilhante” obra. Segundo ela, o Lulu é “uma ferramenta para que as garotas tomem as melhores decisões sobre seus relacionamentos e até uma forma de encontrar um namorado com inteligência”.
Ah, sim, claro. Porque vocês sabem, né, gente: o ser humano não tem linguagem articulada, então nem dá para puxar papo no ponto de ônibus, na fila para carregar o Bilhete Único. Aliás, para descobrir se alguém tem “boas maneiras” (se mija com a tampa da privada levantada, suponho) É CLARO que é necessário recorrer a um APLICATIVO: nem pense em se apresentar, pôr aquele decote poderoso e ir fazer amizade, porque isso é so last season, darling.
Aliás, decidi que vou criar um aplicativo também. Ele vai se chamar Meu Cu, e pretendo avaliar o nível de noção das pessoas. Já aviso que todo mundo que está nas redes sociais está negativo e devendo pontos, porque Dante só não descreveu o Inferno como sendo essa maldita rede social porque aquilo ainda não existia. Vocês são péssimxs! Difícil não é envelhecer, mas envelhecer acompanhando as atualizações de vocês no Facebook.
Mulheres do mundo: vocês involuíram tanto assim, amigas? PRESTEM ATENÇÃO! Vou aplicar é minha mão na cara de vocês! A noção de vocês está indo embora junto com a menstruação no fim do mês, né? Só pode.

 

nocao

 

Essa merda de Lulu nada mais é do que uma objetificação do homem feita por nós, mulheres. Quer coisa mais cruel do que nós nos tornarmos aquilo contra o que sempre lutamos?! Vocês têm noção de que em vez de feministas vocês se tornaram machistas? Se ser feminista para vocês é ocupar o lugar dos “machos”, scusi, mas me incluam fora dessa – prefiro ir viver com as samambaias na Lagoa Azul. Ser feminista, na minha concepção, não é reivindicar o lugar privilegiado do outro, mas lutar justamente para que esse lugar deixe de existir. Ao se colocarem no papel de “avaliadoras”, vocês se transformam em juízas, em carrascas, e nada mais fazem do que reproduzir o pensamento (e a atitude) daqueles seres que (espero eu) tanto abominam.
Desejo do fundo do meu coração: desejo que alguma rena colocada saia desgovernada do trenó do Papai Noel cantando loucamente e enfie, com tudo, seus galhos no rabo dessas lambisgoias machistas! (Sabe como é: #não vai pelo amor, vai pela dor).

 

Vocês deviam ter aproveitado a Black Friday no final do mês passado e ter renovado o estoque de noção. Eu ia dizer “para a vida”, mas se conseguirem um pouco até o final de 2013, eu já me dou por satisfeita.

***

Como vocês sabem, nós aqui na Geni também somos humanas, e vamos tirar a calça jeans e botar o fio dental durante o mês de janeiro. Quero pegar um bronze, fazer muito topless (não tenho parte de cima do biquíni [risos marotos]), e, em fevereiro, eu volto, toda trabalhada na piel morena. Ay caramba! Me aguardem!

neusa sueli  revista geni cecilia silveira

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