Geni é uma revista virtual independente sobre gênero, sexualidade e temas afins. Ela é pensada e editada por um coletivo de jornalistas, acadêmicxs, pesquisadorxs, artistas e militantes. Geni nasce do compromisso com valores libertários e com a luta pela igualdade e pela diferença. ISSN 2358-2618

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Cutucando partidos

Sites oficiais mostram evidências sobre como temáticas de gênero e sexualidades são discutidas (ou não) dentro dos partidos políticos. Por Giovana Bonamim


No Brasil há mais de 140 milhões de eleitores. Mais de 73 milhões são mulheres. No entanto, nas eleições municipais de 2012, apenas 30,73% dos candidatos eram mulheres, enquanto 69,26%, homens. Mulheres eleitas, no mesmo ano, somaram 34,37% do total de pessoas eleitas como prefeitxs e vereadorxs. Quem está representando os 73 milhões de mulheres brasileiras em prefeituras e câmaras de vereadores?

 

 

Mulheres: convocadas e silenciosas

 

Apesar da criação da cota eleitoral de gênero, que obriga partidos a apresentar pelo menos 30% de candidatas mulheres ao legislativo, vários estudos apontam que elas têm à disposição menores recursos partidários para suas campanhas. Os cientistas políticos Teresa Sacchet e Bruno Speck, em um artigo chamado Dinheiro e sexo na política brasileira: financiamento de campanha e desempenho eleitoral em cargos legislativos, mencionam a importância dos recursos financeiros para que determinado candidato se eleja. Segundo os autores, mulheres dispõem de menor acesso a tais recursos, porque são mais pobres, menos articuladas e menos experientes do que os homens no mundo da política.

 

Numa linha semelhante, as pesquisadoras Maria das Dores Campos Machado e Rosanete Steffenon, da UFRJ, demonstraram que os recursos tecnológicos utilizados pelos partidos em momentos de campanha também são reflexo das desigualdades de gênero dentro das siglas. No artigo chamado Assimetrias de gênero nas campanhas eleitorais para a Câmara Federal, apontaram que mulheres possuem menor acesso à publicação em sites e blogs. Entre as mulheres que têm seus sites, esses se mostram menos dinâmicos, interativos e atraentes que os masculinos. Elas notaram que nos blogs e sites de suas campanhas, “predominavam as fotos solitárias em estúdio”, enquanto homens apareciam ativos, acompanhados por lideranças políticas.

 

(Esses estudos podem ser lidos no livro Mulher nas eleições 2010, publicação que reuniu uma série excelentes de artígos sobre mulheres e eleições no Brasil)

 

 

LGBTs: invisíveis e numerosxs

 

Em um artigo chamado Partidos Políticos e Movimento LGBT no Brasil, o cientista político Gustavo Gomes da Costa Santos mostra um cenário bastante controvertido a respeito da representação política da população LGBT.

 

Ainda que a construção histórica do movimento LGBT brasileiro ocorra principalmente dentro de partidos de esquerda, Gustavo demonstra que legisladores de partidos de centro e direita também colaboraram com a população LGBT nas últimas décadas (1995-2011). Segundo ele, partidos nesses dois espectros “tanto votaram a favor de propostas de legislação favoráveis a LGBT quanto apresentaram propostas de leis favoráveis a este segmento da população” (Vale a pena ler o artigo completo para conferir detalhes).

 

Isso demonstra que a orientação ideológica do partido (ou o partido em si) não define(m) a adesão ou a rejeição de seus parlamentares a políticas LGBTs. Segundo Gustavo, “a vinculação religiosa dos parlamentares, majoritariamente daqueles que fazem parte da Frente Parlamentar Evangélica (FPE), parece ser mais relevante para explicar a oposição à extensão de direitos”.

 

Ainda assim, no Brasil há aproximadamente 18 milhões de pessoas homossexuais, segundo estimativas do Supremo Tribunal de Justiça, que decidiu, no ano passado, a possibilidade jurídica de reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo. Essa conquista, como sabemos, não foi obtida sob forma de lei votada por parlamentares.

 

Se em assuntos de diversidade sexual os parlamentares têm autonomia pessoal para votar conforme sua orientação religiosa, é por isso que os partidos têm dificuldades de falar sobre sexualidade?  Ou será pela falta de posições partidárias definidas em diretórios nacionais que os parlamentares adquiriram essa autonomia? Muitas perguntas para responder.

 

Neste mês confirmamos novamente algo que sempre soubemos: os partidos brasileiros têm dificuldades em falar sobre gênero e sexualidade. Enviamos formulários para todos os partidos brasileiros para cutucá-los sobre esses assuntos. Seguimos esperando suas respostas.

 

A resposta talvez seja impossível. Mas é essa a ideia.

 

Responder o formulário significa tornar públicos a posição e o estado atual (que pode incluir a ausência) de discussões importantes (e muito urgentes!) para mulheres, lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transgêneros. São temas como educação pela diversidade, aborto, pílula do dia seguinte, criminalização da homofobia, uso de cotas de gênero nas eleições por transsexuais e travestis, aumento da licença paternidade, entre outros.

 

Responder esse tipo de questionamento é uma tarefa ainda mais difícil aos partidos que não colocam gênero e sexualidade entre suas pautas de discussão, seja pela falta de diretórios ou grupos destinados a discutir esses assuntos, ou pela falta de poder desses diretórios ou grupos em definir uma posição para o partido. Para a cientista política Carolina de Paula, a falta de diretórios nacionais deliberativos e de órgãos de decisão afeta a capacidade dos partidos em definir posições a respeito de diversidade sexual e igualdade de gênero, por exemplo. Segundo ela, “os partidos no Brasil, de modo geral, não possuem unidade partidária para elaborar documentos propositivos, basta olhar a superficialidade dos estatutos partidários”.

 

Por mais que a cota eleitoral de gênero esteja em vigor, não significa que o aumento de presenças femininas nos partidos (ou mesmo o aumento no número de mulheres senadoras ou deputadas) leve os partidos a definir e defender uma posição sobre políticas públicas em favor das mulheres. No que diz respeito à diversidade sexual, não havendo nenhuma legislação que incentive a candidatura ou mesmo a presença de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transgêneros nos partidos, a definição de uma posição partidária é ainda mais difícil porque depende exclusivamente do poder interno dos militantes LGBTs em seus partidos.

 

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Oi, por gentileza, poderia passar um contato de quem discute questões de gênero?

 

O primeiro passo dado para enviar os formulários foi fazer um levantamento de contatos gerais de todos os partidos brasileiros. Era de se esperar que a pessoa que responde o Fale Conosco encaminhasse o e-mail e o formulário às respectivas comissões, grupos, coletivos, diretórios, setoriais ou responsáveis por discussões de gênero e sexualidade do partido. Quase ninguém respondeu. Seria a falta de pessoas capazes para respondê-lo com as posições do partido? Ou pela ausência de posição do partido? Ou porque o assunto é composto de tabus?

 

Para descobrir quem teria mais chances de entender a proposta do formulário e efetivamente respondê-lo, realizei dois tipos de busca: buscas nos sites do partido e buscas no Google, coletando dados entre os dias 15 e 17 de março (propiciamente logo depois do Dia Internacional da Mulher, quando todos os partidos ciclicamente prestam suas homenagens).

 

No Google foi possível ver que 31 dos 32 partidos brasileiros possuem um grupo/coletivo/setor de mulheres em sua estrutura. (Exceção: PROS)

 

A busca nos sites de cada partido foi reveladora. Há partidos que acusam na página inicial a existência de diretórios de mulheres, oferecendo espaço para conteúdos. Outros não dedicam espaço para esses conteúdos e tampouco mencionam sua existência. Veja a síntese, abaixo, dos dados coletados.

 

  • Entre os partidos cujos sites destacam em sua página oficial a existência de diretórios de mulheres estão; PP, PR, PV, PMN, PSL, PHS, PTN, PRTB, PSDB, PPS, PTdoB, PCO, PSDC, DEM, PPL, PEN, PMDB, PT, PDT, PSC, PTC, SDD, PRB.
  • Os partidos que possuem diretório de mulheres, mas não os mencionam na página inicial de seu site, são: PCdoB, PSB, PTB, PSOL, PRP, PROS, PSD, PSTU, PCB. No entanto, alguns deles mostram a temática de gênero diluída em artigos e outras categorias.
  • 6 dos 32 partidos brasileiros possuem um site externo para as mulheres do partido (PSB, PTN, PSB, PP, PV, PSC). Por quê? as demandas das mulheres são demasiado específicas ou particulares para merecer um site próprio? Mulheres entram em um site e homens em outro? É isso mesmo?
  • 15 dos 32 partidos possuem grupos de mulheres intitulados com Sigla do Partido + Mulher. São eles: PV Mulher, PRT Mulher, PTdoB Mulher, PTB Mulher, PSL Mulher, PSDC Mulher, PSDB Mulher, PSC Mulher, PRTB Mulher, PRP Mulher, PRB Mulher, PR Mulher, PMN Mulher, PMDB Mulher, PHS Mulher, PEN Mulher. Efeito da Cota de gênero ou outro sinônimo de isolamento intrapartidário das mulheres?
  • 7 dos 32 sites do setor de mulheres foram compostos em cor rosa em destaque ou como cor de fundo (PCdoB, PPS, PSB, PTB, PMN, PTN, PMDB). Decisão do partido ou decisão do designer?

 

 

Crtl + F: A palavra “LGBT” não retorna resultado

 

Mas o Google, sim.

 

Grupos partidários LGBTs estão ainda mais isolados do que os grupos de mulheres no âmbito partidário.

 

Também entre os dias entre os dias 15 e 19 de março, foi impossível localizar grupo / diretório de pessoas para discutir políticas para a diversidade sexual em 22 dos 32 dos partidos brasileiros, seja buscando no Google ou dentro de seus sites.

 

Apesar do panorama pouco animador, há experança. Dos 32 partidos brasileiros, 11 possuem uma presença de participação e debate LGBT detectável por buscas no Google. São eles (em ordem de quantidade de filiados): PMDB, PT, PSDB, PDT, PTB, PSB, PPS, PCdoB, PV, PSOL e PSTU.

 

Essa existência, entretanto, está combinada a certo grau de invisibilização na Internet. Nenhum partido brasileiro destaca uma seção dentro do seu site nacional a temas como diversidade sexual ou a grupos/diretórios LGBT, nacionais ou regionais. (Esse dado foi conferido na data de fechamento desta coluna, no dia 20 de março de 2014).

 

O cientista político Gustavo da Costa Santos comentou a ausência de estruturas nacionais de temáticas LBGT dentro dos partidos no artigo Partidos Políticos e Movimento LGBT no Brasil. Segundo Gustavo, “é interessante notar que a questão LGBT tende a ser incluída primeiramente no âmbito dos Diretórios Estaduais e Municipais e apenas em um segundo momento passa a ser contemplada pela estrutura nacional dos partidos. Isso demonstraria certa capilaridade da temática LGBT, que surge nos âmbitos locais e progressivamente vão sendo absorvidas pelas estruturas nacionais dos partidos.”

 

Esse é um fato contrastante em relação aos grupos de mulheres, presentes em 31 dos 32 sites nacionais de partidos. Provavelmente, como efeito da instituição de cotas para mulheres, o aumento inclusão de mulheres nos partidos e nas propostas partidárias ocorre como efeito das exigências legais, centrais e nacionais.

 

Com a população LGBT ocorre o inverso: informalidade e descentralização. A incorporação de militantes LGBTs a partidos ocorre em nível estadual e municipal. Isso mostra que na prática alguns partidos estão sendo pessoalmente receptivos à presença de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transsexuais e Transgêneros em seus diretórios municipais e estaduais. Mas, como ocorre com as mulheres, faltam recursos para que militantes LGBTs possam criar diretórios nacionais dentro dos partidos ou, se existem os diretórios nacionais, mostrar sua existência em sites, além de definir posições e propostas dentro da temática. Por que tanta dificuldade em definir posições?

 

Carolina de Paula nos comentou que as propostas de campanha dos partidos tendem a evitar temas polêmicos. Segundo ela, “em campanhas para o Executivo existe a necessidade da conquista do voto do chamado “eleitor mediano”. Entretanto, há uma ressalva: “em campanhas ao Legislativo, é possível [para um partido] buscar votos de grupos específicos ou propor medidas de inclusão de minorias”.

 

A contradição de evitar polêmicas para obter o voto do cidadão médio, combinada à intenção de buscar votos de minorias e grupos específicos, pode explicar o notável silêncio sobre diversidade sexual nos sites. Um fato decorrente desse silêncio é a falta de disponibilidade de canais partidários oficiais e nacionais de difusão e comunicação para diretórios e grupos partidários LGBTs.

 

Por fora dos sites nacionais e dos espaços nacionais dos partidos, diretórios e grupos LGBT e pela diversidade sexual são visíveis e contactáveis na internet graças às redes sociais e à militância regional. Frequentemente mantidas por militantes jovens, páginas no Facebook e contas no Twitter cumprem a função de comunicar encontros, reuniões, notícias, acontecimentos e, finalmente, a atender gente curiosa e cheia de perguntas sobre sexualidade, como a Geni. Por sorte, por aí o contato acontece.

 

 Leia outros textos de Giovana Bonamim e da pesquisa sobre partidos políticos.

 

Ilustração: Emilia Santos.

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