infância
Beatriz Preciado, Cícero Oliveira, direitos LGBT, educação, Emilia Santos, infância, Nara Isoda, número 16, teoria queer, Turminha da Geni
Direito de resposta
Pela criança que fomos, pelo amor que reivindicamos. Por Cícero Oliveira
Paris, 13 de janeiro de 2013: vindas de diferentes lugares da cidade rumo ao Champ de Mars (Campo de Marte, deus grego da guerra), 300 mil pessoas marcharam em sinal de protesto contra a aprovação da lei que regularizava o Mariage et l’Adoption pour tous (“Casamento e Adoção para todos”).
Organizada pelo coletivo La Manif Pour Tous (“A manifestação para todos”) a mobilização contou com a participação e o apoio de diversos setores da direita e da extrema direita francesa, dentre os quais: Marine Le Pen, presidente do Front National (partido de extrema direita na França); Jean-François Copé, presidente da UMP (partido do ex-presidente Nicolas Sarkozy); Xavier Bertrand e Brice Hortefeux, ex-ministros do governo de Sarkozy; Frigide Barjot, uma subcelebridade, dirigente e porta-voz do coletivo. Nos cartazes empunhados pelos milhares de manifestantes, liam-se frases como “Todos nascem de um homem e de uma mulher”, “Queremos sexo, não gênero”.
É nesse contexto, e um dia após essa grande manifestação, que a filósofa Beatriz Preciado escreve o texto-manifesto “Quem defende a criança queer?” no jornal Libération. Diante da constatação de que uma parte expressiva da população francesa declarava que “Liberdade, Igualdade e Fraternidade” existiam, mas eram “direitos inalienáveis” somente para as “pessoas direitas”, Preciado retoma um dos bastiões desse tipo de discurso de ódio, problematizando-o e lançando-o, antes, como questão: quem defende a criança “diferente”, a criança “diferenciada”, a criança não heterossexual?
Essa pergunta permanece de uma atualidade impressionante. Ela repercute na morte, apenas nas três últimas semanas, de Alisson da Silva Lima Bezerra, de Wanderson Silva, de Samuel da Rocha, de João Antonio Donati…
Essa pergunta ressoa nos discursos homofóbicos de religiosos rancorosos, donos da verdade, da luz e da salvação. Essa pergunta ressoa nas declarações de Levy Fidelix durante a campanha presidencial, conclamando a população a lutar contra a suposta minoria LGBT.
Essa pergunta permanece ecoando no vácuo institucional, no imenso vazio engendrado pelo desrespeito aos direitos civis que a população LGBT vem denunciando e sofrendo em todo o mundo.
Essa pergunta permanece entalada na garganta de toda criança que sofre (ou já sofreu bullying), que já teve que engolir o choro ao ir ou voltar da escola, pelos insultos, por ser discriminada, por ser não igual.
Essa pergunta – tão nossa, crianças queer que fomos (que ainda somos) e indivíduos e cidadãs que nos tornamos – não pode mais ficar sem resposta.
Essa pergunta, que escancara o desamparo ao qual milhões de seres humanos são diariamente relegados, não pode mais continuar em suspenso, à espera de uma resposta que não vem nunca.
É pela criança que fomos, pelo amor que reivindicamos e pelo direito à vida e dignidade que lutamos, que não podemos mais nos furtar a uma resposta.
É pela criança que fomos, pelas vidas que nos têm sido cotidianamente negadas e roubadas, pelo mundo mais humano que queremos, que decidimos responder.
É pela criança que fomos, que criamos essa revista, e é pela criança que fomos e pelo direito de resposta que reivindicamos, que nós, do coletivo e da revista Geni, trazemos a partir do dia 12 deste mês uma nova coluna em quadrinhos voltada para o público infantil: a Turminha da Geni! Aqui vocês têm lugar, Genizinhas. Mais do que homens e mulheres, mais do que sexo e gênero, exigimos “o direito das crianças de serem subjetividades políticas irredutíveis a uma identidade de gênero, de sexo ou de raça”. E isso, é inegociável.
Ilustração: Nara Isoda
Ilustração Turminha da Geni: Emilia Santos