Geni é uma revista virtual independente sobre gênero, sexualidade e temas afins. Ela é pensada e editada por um coletivo de jornalistas, acadêmicxs, pesquisadorxs, artistas e militantes. Geni nasce do compromisso com valores libertários e com a luta pela igualdade e pela diferença. ISSN 2358-2618

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MPL-Mulheres

Não existem autonomia e horizontalidade se reproduzirmos dentro das organizações políticas as opressões que tanto combatemos.

 

 

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Sandra Gamarra | En orden de aparición VII | 2012

 

 

 

Mulheres e transporte: contra as catracas do machismo e do patriarcado

 

Todos os dias as pessoas que utilizam transporte público são humilhadas nos ônibus, trens e metrôs, submetidas a condições degradantes para ir e voltar do trabalho, da escola ou mesmo para circular pela cidade. Porém, as mulheres trabalhadoras, em sua maioria negras e moradoras da periferia, sofrem muito mais: além das viagens demoradas e sufocantes, são constantemente assediadas por homens que se aproveitam da precariedade do transporte público para impor sua lógica machista de tratar mulheres como objetos. As mulheres são  encoxadas, cantadas e submetidas a inúmeras outras formas de assédio diariamente.

A superlotação dos trens e ônibus, por sua vez, também cumpre outro papel perverso: é resultado de um sistema de transporte mercadológico, que visa o lucro das empresas, e não o bem estar e o interesse das usuárias e usuários.

Apesar de nós mulheres representarmos na cidade de São Paulo mais da metade do total de usuárias e usuários de transporte público, sabemos que ainda hoje somos impedidas de participar da construção e apropriação da cidade, através da restrição de nossa circulação: lugar de mulher não é na rua.

Assim, mesmo quando ocupamos espaço no mercado de trabalho, somos duplamente humilhadas no transporte público: através da tarifa e das condições da viagem. Além de mulheres nos idos de 2015 ainda receberem menos que homens, mulheres solteiras que criam os filhos são quase dez vezes mais numerosas que pais que fazem o mesmo. Ou seja, quando a tarifa sobe, são as mulheres que sentem mais nos salários. Além disso, o preço que pagamos corresponde a uma viagem sujeita a assédios de toda a natureza: 48% das usuárias de transporte público já foram vítimas de algum tipo de abuso. Esse sistema reforça e representa a construção cotidiana de nossa sociedade capitalista patriarcal que violenta as mulheres diariamente. A mercantilização do transporte obriga também o corte de gastos e, apesar de lutarmos por uma cidade que respeite a mulher, e não uma que apenas coíba a violência, a possível demissão de cobradoras e cobradores que vem sendo apresentada pela SPTrans pode também colaborar com nossa insegurança, já que elimina uma figura que muitas vezes ajuda a evitar assédios.

Tentando solucionar esse problema, em julho de 2014 a assembléia paulista aprovou um projeto de lei que criava um “vagão rosa” no metrô, destinado exclusivamente para mulheres. Na época, muitas entenderam como uma forma de estarmos mais seguras pela possibilidade (ainda que mínima) de viajar entre mulheres e não sermos violentadas. O vagão rosa se mostra, porém, como uma expressão concreta desse sistema opressor – de transportes e, mais amplamente, capitalista e patriarcal –, pois se apresenta como uma tentativa de proteger um grupo oprimido, quando na verdade acaba aprofundando essa opressão. Essa medida protege e legitima a agressão, uma vez que obriga nós mulheres a nos confinarmos e não os homens a não nos agredirem, seguindo a mesma lógica daqueles que dizem que não podemos caminhar sozinhas à noite, que não devemos usar essa ou aquela roupa. O “vagão rosa” acaba por ser mais uma forma de nos segregar dos espaços públicos que historicamente pertencem ao gênero masculino e que há muitos anos lutamos para conquistar. No mesmo ano o vagão rosa foi vetado, uma vitória do movimento de mulheres organizado.

Nós mulheres do Movimento Passe Livre participamos de diversas mobilizações contra esse vagão, sem, no entanto, estarmos organizadas hoje para combater diretamente os problemas enfrentados pelas mulheres no transporte público.

Hoje, o MPL-Mulheres é um espaço auto-organizado dentro do Movimento Passe Livre, movimento social autônomo, independente, apartidário, horizontal e anti-capitalista que luta por um transporte público, gratuito e controlado pelxs usuárixs e trabalhadorxs. É observando as necessidades e impedimentos específicos para mulheres no transporte que enxergamos a necessidade de nos organizarmos enquanto mulheres militantes dos coletivos que compõem a federação de MPLs no Brasil. Além do grande desafio de combater a lógica capitalista e patriarcal dos transportes e da própria cidade, ainda temos o desafio de combater as questões de machismo que surgem dentro dos nossos próprios coletivos.

Sabemos que o machismo tem raízes profundas em nossa sociedade e que, mesmo nós mulheres, reproduzimos em muitos momentos comportamentos machistas. Em um movimento social, composto por pessoas de várias idades, formações políticas, etc., existe também a reprodução do machismo e, com a justificativa do pragmatismo da luta, muitas vezes questões de gênero são colocadas em segundo plano ou minimizadas.

Nossa organização hoje existe para empoderar a nós mesmas como militantes por um transporte livre para todas e todos, dentro e fora de nosso coletivo. É através de nossa organização por gênero que temos enfrentado ameaças machistas dentro dos nossos coletivos e seguimos estudando, discutindo e desenvolvendo formas de lidar com o machismo de dentro e fora do movimento. Não existem autonomia e horizontalidade se reproduzirmos dentro das organizações políticas as opressões que tanto combatemos.

Pertencem ao coletivo de mulheres do Movimento Passe Livre todas as mulheres que militam nos coletivos espalhados pelo país. Já realizamos duas reuniões nacionais e seguimos nos fortalecendo através da auto-organização de todas as mulheres da federação. Acreditamos que assim fortalecemos também o movimento como um todo, já que derrubar o machismo faz parte da luta por uma cidade feita por e para todxs.

Uma cidade só existe para quem pode se movimentar por ela!

 

 

 

MPL-Mulheres

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