Geni é uma revista virtual independente sobre gênero, sexualidade e temas afins. Ela é pensada e editada por um coletivo de jornalistas, acadêmicxs, pesquisadorxs, artistas e militantes. Geni nasce do compromisso com valores libertários e com a luta pela igualdade e pela diferença. ISSN 2358-2618

Segurança na rede

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Mulheres, privacidade e Internet

Quais os cuidados básicos que devemos ter quanto à segurança na internet? Por Camilla Gomes

 

 

Ela, estudante e mãe solteira de uma criança de 3 anos, perdeu o emprego e interrompeu a faculdade devido à divulgação das imagens. Já o empresário responsável pela divulgação foi condenado por injúria e difamação, tendo como pena 5 meses de serviço comunitário e saiu rindo da sessão.

Segurança na internet é um assunto muito debatido e pouco esclarecido. A mídia nos mostra vários casos de crimes virtuais e quebras de segurança, mas nunca de uma forma acessível que nos faça enxergar a real importância de termos controle sobre nossas informações. Vemos várias chamadas de contas invadidas e conteúdo privado viralizado, mas não se fala de qual forma aconteceu e se haverá algum tipo de punição justa. A internet ainda é vista como uma terra de ninguém, como se qualquer conteúdo que pare na internet não estivesse mais sob controle.

É importante saber que todo conteúdo que existe na internet é monitorado e controlado, e cabe ao usuário entender quais são seus direitos e como exigi-los. A legislação brasileira ainda está caminhando para delimitar leis que tratem da segurança e da privacidade dos usuários, sendo que muita coisa ainda é nebulosa e confusa até para quem é da área.

Todo mundo deve ter cuidados em relação a segurança na rede. Primeiro as pessoas devem se questionar “Por que estou colocando esta informação na internet?” e em seguida “O aparelho que estou usando para acessar ou publicar esta informação é seguro?”. A partir destas duas perguntas temos um leque de providências a tomar, desde conhecer os Termos de Privacidade do Site até verificar se a rede utilizada está segura ou possui alguma monitoração.

Dependendo do perfil da pessoa, esses cuidados são diferenciados. Um militante não vai querer que suas informações – durante o uso da internet – sejam rastreadas ou monitoradas. Uma mulher espera que seus arquivos pessoais não sejam furtados ou publicados indevidamente por terceiros. Uma pessoa trans pode ou não querer que sua vida seja completamente escancarada na internet. Uma pessoa negra não espera que suas fotos sejam furtadas para fazerem piadas racistas. Pessoas não heterossexuais não esperam ter sua sexualidade exposta para sofrerem ataques. E nem crianças esperam sofrer bullying por postarem algo inocentemente.

A polícia e o sistema jurídico estão despreparados para lidar com esses crimes e enquadrá-los nas leis e, como já foi dito, a legislação em torno desses crimes ainda não é clara. Em algumas cidades, caso uma foto íntima seja publicada na internet, o máximo que pode acontecer é a pessoa receber um processo de difamação e uso indevido de imagem. Mas a defesa pode alegar que não tem como provar que foi o acusado quem divulgou as imagens, por não haver uma polícia forense preparada pra investigação de crimes digitais e pra determinar se o equipamento dela foi o veiculo utilizado para isso.

O cuidado deve ser redobrado pelas minorias, pois os danos podem ser irreversíveis por conta das opressôes de gênero, classe ou raça que a sociedade nos coloca. Devemos verificar se as pessoas com as quais compartilhamos informações são confiáveis, se o que publicamos atinge somente o público-alvo que gostaríamos, se o site nos fornece ferramentas para identificar e punir agressores, ou também para remover o conteúdo com rapidez e facilidade. Verificar se o celular possuiu alguma forma de proteger, rastrear e apagar o conteúdo – caso seja furtado, se o computador e os programas que usamos pra acessar a internet estão protegidos e livres de vulnerabilidades; e se os meios de comunicação que usamos para falar com outros usuários realmente garantem a privacidade da conversa. É importante estar sempre atualizado sobre mudanças de políticas de privacidade de Redes Sociais (Facebook, Twitter, Instagram, Tumblr, WhatsApp, etc.) e sobre novas ferramentas que auxiliam a manter a privacidade.

A maioria dos crimes contra a honra na internet são cometidos contra mulheres, e quem comete o crime é alguém próximo da vítima, que conhece seus hábitos ou tem a confiança dela para ter acesso a seus arquivos. Um homem que tem vídeos, fotos ou áudios em situações constrangedoras divulgados na internet não sofrerá tantos ataques e nem terá tanta visibilidade. Já a mulher do vídeo poderá ser perseguida, perder o trabalho e até cometer suicídio.

Um exemplo desta situação foi o caso da Fran, em Goiânia, que teve um vídeo íntimo viralizado no Brasil inteiro e foi notícia em diversos meios de comunicação. Ela, estudante e mãe solteira de uma criança de 3 anos, perdeu o emprego e interrompeu a faculdade devido à divulgação das imagens. Já o empresário responsável pela divulgação foi condenado por injúria e difamação, tendo como pena 5 meses de serviço comunitário e saiu rindo da sessão.

Estamos em uma sociedade em que um dos pilares é o machismo estrutural, então, como as mulheres ainda são vistas como uma propriedade a ser controlada e fiscalizada o tempo inteiro, isso não muda na internet. A única diferença do machismo da internet e o “off-line” é a postura e a visibilidade adotada. Uma coisa é presenciar uma atitude machista no bar, onde a repercussão está restrita a quem frequenta aquele espaço, ou pode, no máximo, ser espalhada no boca a boca a um público restrito. E outra é esta atitude acontecer na internet, onde a repercussão transcende o público restrito e alcança pessoas dos mais variados espaços, seja pra culpabilizar a vitima ou pra tentar fazer justiça.

Se uma mulher postar uma foto ganhando um prêmio, a maioria dos comentários será sobre a sua aparência e não sobre o seu mérito, enquanto nenhum homem é questionado por ter escolhido usar um terno azul e uma camisa que marca a barriga.

Um exemplo disso foi a entrevista com uma atriz e um ator do novo filme os Vingadores: enquanto ele foi questionado sobre ter se machucado durante as filmagens, o entrevistador pergunta a ela se estava usando “roupas de baixo” durante as filmagens.

Posteriormente, a revista Cosmopolitan UK, resolveu inverter as perguntas feitas à atriz e ao ator. E o Buzz Feed Pop, fez uma “brincadeira” com o ator Kevin Spacey, perguntando sobre suas roupas, quem tinha cortado seu cabelo e feito suas mãos. Ele não entende direito as perguntas e comenta “Isso é irrelevante. […]”. Ao ser perguntado se ele estava usando cinta, ele responde “Você fumou [maconha] antes de vir pra cá?”.

Dá muito mais “cliques” uma mulher sendo “humilhada” do que um homem-cis-hétero; tanto que vemos casos até de mulheres famosas sendo expostas na internet com fotos e videos vazados de uma cena de sexo ou mesmo de uma calcinha aparecendo, enquanto um homem pode ter fotos nuas espalhadas na rede e todo mundo esquece no dia seguinte.

Existe um mito de que mulheres não combinam com tecnologia, reforçado pela mídia e pelas próprias instituições de ensino, por conta do machismo da área. Então, quando pensamos em público vulnerável, sempre pensamos nas mulheres: é por conta dessa deficiência criada na sociedade.

Estes crimes praticados na internet, não só os contra a honra, têm como alvo mulheres pois não se pensa que elas terão cuidado com a segurança de seu dispositivo ou algum conhecimento para buscar orientação/ajuda quando o crime acontecer. O mesmo golpe que se dá no mundo real se dá no “mundo virtual”.

Por exemplo, os falsos emails que recebemos com conteúdo suspeito (passagem para o Havaí, vídeo da garota A/mulher B, suas fotos apareceram em tal site, você ganhou um iPhone, veja o comprovante de algo que você nunca comprou, etc.) atingem as pessoas de forma geral. Um bom anti-spam e ato de ler o e-mail com cuidado podem prevenir isso. Mas, para golpes virtuais, crimes financeiros e roubo de identidade, é preciso de propagandas direcionadas e até mesmo um contato do criminoso com a vítima para o fornecimento “voluntário” de dados pela mesma. Neste caso o alvo mais comum são mulheres, por mais que um homem também possa ser vítima deste tipo de crime.

Quando dou palestras sobre segurança, minha proposta é mudar a maneira como as mulheres enxergam e se relacionam com a internet e os dispositivos que se conectam a ela. A abordagem visa criar um paralelo entre o mundo real e o digital, demonstrando como não existem tantas diferenças assim, somente a ferramenta é que muda.

Discuto como ocorrem crimes virtuais (contra honra, calúnia, difamação, golpes, etc.)e o comportamento comum tanto da vítima quanto do agressor. Também abordo outras formas de violência virtual, como o cyberbullyng, sexting (compartilhamento de conteúdo adulto por crianças) e revenge porn (divulgação de conteúdo pornô privado motivado por vingança). A partir dessas discussões, apresento formas de proteção e ação caso as agressões aconteçam.

Já quando dou oficinas, mostro e ensino como utilizar de forma segura aplicativos, sites e programas populares; como configurar os dispositivos eliminando e percebendo onde encontrar vulnerabilidades, e, ainda apresento ferramentas utilizadas por ativistas para preservar a privacidade do usuário.

Ministro esses conteúdos por convite dos espaços feministas e também contribuo com o Hackerspace MariaLab. Este ano temos uma agenda focada em Segurança Digital e Privacidade. No mês anterior, o MariaLab apadrinhou o espaço para mulheres Ada Lovelace na Cryptorave, onde rolaram oficinas, rodas de conversas e palestras.

 

Camilla Gomes tem 25 anos, é SysAdmin, colaboradora do MariaLab, viciada em café e Assassins Creed.

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