entrevista
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Entrevista com Camilla Gomes
Quanto ao mercado de tecnologia, por que há tantos homens nessa área e poucas mulheres?
Por mais que tenhamos nomes de mulheres importantes na tecnologia que fazem a internet ser o que é hoje, como Ada Lovelace e Grace Hopper, a área de Tecnologias da Informação (TI) virou uma espécie de “Clube do Bolinha”. Sem entrar muito na discussão sobre capitalismo e estruturas da sociedade no pós guerra, podemos dizer que as mulheres foram incentivadas a largarem esse espaço, que foi apropriado e estigmatizado por conta das mudanças que ocorreram na estrutura da sociedade com a recolocação de homens no mercado.
O estereótipo do “homem-nerd-solteiro” empreendedor e inovador foi criado para suprir a necessidade que a expansão tecnológica tinha de uma mão de obra que se dedicasse totalmente aos projetos e não tivesse uma vida dupla. E a priorização do masculino é amplamente incentivada e protegida pelo mercado, principalmente por acharem que as mulheres fogem desse perfil solitário. Elas são vistas como mães e “chefes do lar” que precisam ter um tempo dedicado à vida privada, não conseguindo cumprir as jornadas exaustivas da área (como se não existissem mulheres que almejam ou pertençam ao padrão “nerd-solteira”). Até hoje as mulheres que fizeram e fazem parte de mudanças e criações importantes sofrem apagamento pelas empresas, que têm medo de que, por conta do machismo da área, um nome feminino cause impacto negativo.
Então, quando uma mulher se interessa por tecnologia e resolve estudar ou trabalhar com a área, logo é incentivada a deixar esse “sonho” e fazer algo de “menina”. Na maioria dos espaços de tecnologia nós ouvimos piadas sexistas e somos assediadas. Mesmo quando dominamos um assunto especifico, somos desacreditadas até que um homem valide o que estamos dizendo. No ambiente acadêmico, os próprios professores muitas vezes desmotivam e zombam o fato de ter uma mulher em sua turma. Algumas empresas inclusive colocam na descrição da vaga a preferência por homens, sem cerimônia. Experimente fazer um teste: mande um currículo com nome e gênero feminino e outro com nome e gênero masculino, os dois com as mesmas informações, mas mudando o layout. Adivinha qual deles terá mais respostas positivas?
Você acredita que os esforços de trazer mais mulheres para as (grandes) empresas de tecnologia são esforços de igualdade de gênero ou de criação de reserva de mão de obra?
Acredito que nem uma coisa e nem outra. Pelo menos no Brasil, a área de TI tem uma gigantesca desvalorização do profissional. Aqui a demanda é por mão de obra especializada com um valor mais barato. Assim, os esforços hoje estão mais voltados para encontrar esse profissional barato, independente do gênero. E não existe nenhuma mudança significativa para verem as mulheres como pertencentes à área. Na verdade, elas entram mais pra suprir “cotas” e raramente em setores ditos como mais masculinos, como infraestrutura e programação back-end.
Como é ser mulher e trabalhar em uma empresa de tecnologia?
Eu acredito que tenho muita sorte. Trabalho atualmente em uma empresa onde vejo mulheres em cargos altos e várias programadoras com excelente nível técnico. Até mesmo a minha sexualidade é respeitada. Mas eu sou uma em mil.
Em outras experiências, em que trabalhava com suporte e manutenção, tive muita dificuldade em “passar confiança” para os clientes. Inclusive, teve uma vez que tomei um chá de cadeira por horas porque não acreditaram que a empresa tinha mandado uma técnicA para resolver o problema – sendo que resolvi em meia hora o que outros técnicOs não tinham conseguido. Na maioria dos lugares em que atendi, eu me sentia cobrada e vigiada o tempo todo, como se lá no fundo torcessem pra que eu cometesse algum erro. Afinal, como uma mulher consegue resolver algo que nenhum homem conseguiu? Essa frase pode soar esquisita, mas imagine uma mulher mecânica de automóveis: quantas pessoas deixariam o carro para ela dar manutenção? Muitas pessoas aceitam qualquer parecer técnico só porque é um homem falando. Quando uma mulher fala, ela tem que discutir com o cliente e convencê-lo. Isso é o sexismo das áreas de exatas e tecnologias.
Dizem que a área de tecnologia paga bem? Isso é verdade? Ou ainda é verdade?
Pagar bem é relativo. Os famosos salários de mais de R$ 10.000,00 que vemos nos jornais são exigentes nos requisitos. Geralmente estas vagas demandam um profissional com anos de experiência na área, fluência em outros idiomas e certificações em diversas tecnologias. Isso gera várias reclamações dos profissionais que querem entrar na área mas não tem essa bagagem toda. É como pedir um carro de luxo e querer pagar o preço de um popular. Mas comparando de forma bem genérica os cargos de TI com outros nichos de mercado, a área de TI tem salários mais altos.
Geni: Mesmo “pagando bem”, vemos no Brasil que há poucas pessoas na área (em concursos públicos por exemplo, o índice de candidatos por vaga é menor para vagas de tecnologia). Por que você acha que isso acontece?
Os requisitos para preencher essas vagas que “pagam bem” exigem um investimento em formação que vai muito além de um diploma de Faculdade, que muitas vezes é ignorado. Várias vagas exigem certificação, que tem custo elevado por serem internacionais. Além disso, exigem a tal “experiência”, que quem acabou de se formar muitas vezes não tem. Essa é uma deficiência do mercado, e algumas empresas adotam amplos programas de Estágio e Trainee para poder formar o profissional e garantir sua permanência.
Geni: Às vezes quando vemos “eventos” (palestras, websites, entrevistas, etc.) sobre tecnologia voltada para mulheres, ainda sentimos um reforço do estereótipo feminino (delicadeza, tons rosas, maternidade, dona de casa.. etc.). É coisa da nossa cabeça ou você também vê/sente isso?
Criou-se a idéia de que tecnologia é coisa de meninos, logo, mulheres que querem entrar na área devem seguir o estereótipo dos garotos. Ninguém imagina uma mulher branca, loira, alta, vaidosa e com corpo padrão como uma gerente de tecnologia ou gamer fanática.
Vejo um misto de mulheres da área que são completamente diferente entre elas. E independente de uma estar falando sobre a velocidade da fibra ótica que instalou em casa e a outra sobre o novo vestido que comprou para um aniversário, o projeto sairá no prazo com todos os requisitos atendidos, já que sua produtividade não tem nada a ver com o gênero.
Essa reprodução de machismo que mulheres fazem para tentar atrair mais mulheres falando “Hey! Você pode instalar um cabeamento de redes, usar maquiagem e casar” só torna mais nocivo o tratamento que recebemos dos homens, que nos vêem como “não encaixadas” no estereótipo. Ou seja, não resolve, porque o problema ainda não foi atingido. Precisamos acabar com os estereótipos de gênero nas áreas de tecnologia. É necessário reforçar que o gênero da pessoa não interfere nas suas capacidades e gostos.
Porque se uma mulher é vista com uma aparência dentro dos padrões da sociedade, logo acham que ela não deve entender nada da área e está lá porque saiu com alguém. Ou então, se ela não está nos padrões de beleza ou é lésbica, acham que isso justifica o conhecimento técnico. Ela é melhor aceita, pois não distrai os homens – ela é considerada quase um deles.
Ilustração: Nara Isoda