coluna
aids, Bruno O, coluna, Marcos Visnadi, medicina, militância, número 2, Tuttomondo
TUTTOMONDO | O deus que devasta mas também cura
Itinerário do HIV no mês de julho. Por Marcos Visnadi
2013/07.
Medicação: diário falha. Registrar cada sensação para reportar aqui. Tontura constante. Náuseas. Outras coisas não quero dizer. “Um sucesso”, o médico resume. Pois é. Bula, uma nova modalidade de história de terror.
Nomes dos monstros: efavirenz, fumarato de tenofovir desoproxila, iquego lamivudina duas vezes, toda noite.
Itinerário da rotina: segunda a sexta são dias úteis. Sábados, domingos, feriados. Horário comercial, o corpo o tempo todo. Um peregrino deixa sua cidade natal no Ceará e ruma a pé para o Rio de Janeiro para ver o papa Francisco. Um artista plástico deixa sua cidade em Minas e ruma a pé a Nova York para participar de uma exposição. Histórias comoventes dos nômades. Planos de ir pro Alasca a pé: abortar. Ou: história comovente, a cada mês o medicamento esperando em algum recanto claro de nuestra América.
Planos de viver até os 80 anos.
Planos de escrever um livro até outubro. Quando começa a primavera.
Planos de dormir esta noite, para acordar no dia seguinte.
Influir na política pública nacional de combate à epidemia. Chego na porta do prédio do hospital. Encaro dias seguidos as teclas do computador. Escrever um texto didático.
Plano didático: a importância da militância social para continuar vivo nesta bosta de mundo.
Plano didático: a importância de dizer a todo mundo que o mundo não é uma bosta, não, impressão sua. Lembrar que outubro é primavera. Lembrar das coisas boas. Lembrar das armas buenas.
Coisas para comentar: Dilma Rousseff patinando no gel reaça. Ministro da Saúde Alexandre Padilha fazendo beija-mão com os evangélicos. Medos: que o Brasil vire o Irã. Que o Brasil vire o Brasil. Desmanche do programa de combate à epidemia. Desmanche dos movimentos sociais. Desmanche dos sindicatos. Consequências. Causas.
Objetivo: ser edificante. Missão: abortada.
Objetivo: que este texto traduza a sensação de tontura do medicamento. Missão: foda-se.
Tópicos relacionados: finitude do corpo. Gozo. Permanência do corpo. Precaução do gozo. Apesar. Antidepressivo.
Tópicos relacionados: doenças terminais na família. Doenças terminais que não a minha. Qualquer doença é terminal? Sensação de identidade entre saúde e doença. Fim da doença.
Fontes: www.aids.gov.br; http://www.unaids.org; http://agenciaaids.com.br.
(Se eu ler a palavra aids mais uma vez, vomito.)
Texto para linkar: http://agenciaaids.com.br/artigos/interna.php?id=421. Título: Por uma nova resposta à epidemia. Ressalva: leiam!
Nota mental: ser mais útil. Ressalva: ser como Mário Scheffer (autor do texto linkado acima – leiam – e gato na foto). Escrever texto útil e didático sobre aids hoje em dia. Nota mental: HOJE EM DIA. Missão: foda-se.
Estado: de nervos.
Compilação: “There’s a place where lovers go…”.
[entra vídeo]
Insônia. Choro e ranger de dentes. Fórmula: texto é igual a tudo o que existe menos tudo o que não entra no texto. Fórmula: texto está para vida como tudo está para. Complete. Ponha num envelope com quatro cupons recortados da sua revista Geni. Peça ao jornaleiro. Envie para [endereço] respondendo à pergunta: qual a revista que não chega à sua banca? Queime a carta, queime a banca. Complete.
Possíveis desdobramentos (anotações pra colunas futuras): relação do soropositivo com a família, com o trabalho, com os amigos. Soropositividade na terceira idade, na maternidade, na população em situação de rua.
Possíveis desdobramentos (a longo prazo): soropositividade e luta de classes. Irrelevância da soropositividade de classe média face aos grandes problemas da humanidade. O câncer, afinal, mata muito mais. A fome. Lembrete: não qualificar pelo número de mortes. Lembrete: não mesmo?
Questão 1: pra que serve um texto?
Questão 2 (apenas se for relevante): a que velocidade viaja o planeta Terra no sistema solar?
Fechar: mensagem reconciliatória trazida pela nova MPB
[entra vídeo]
Leia outros textos de Marcos Visnadi e da coluna Tuttomondo.