masculinidades
Bianca Muto, Fábio Emecê, heteronormatividade, heterossexuais, heterossexualidade, homens, masculinidade, negritude, negrxs, número 13
Carência de preto
Ser são implica foder todo mundo? Por Fábio Emecê
Difícil transitar por um espaço e se demonstrar cansado diante do tato de saber que contribuo para uma opressão milenar. E durante muito tempo gostei de estar no local de privilégio, sabendo que ser questionado diante do meu papel era quase um sacrilégio.
Manter-se ereto. Corpo ereto, músculos tesos, pau duro e força, muita força, muita força mesmo. Quem não quer ser reconhecido? Quem não quer ser cuidado? Quem não quer mandar? Deve-se mostrar do que se é capaz, deve-se mostrar que não se retrocede jamais. Transpira, aspira, goza e depois vomita. Topo, macho. Topo!
Ops! O topo é confortável, o que acarreta, nem tanto. Imagina-se um escravo reprodutor no auge de sua forma, extenuado pelo seu trabalho e pelo destino dos seus rebentos e um outro que pensa não ter tido a mesma sorte, ainda dá aquele esporro por achar um absurdo o reprodutor estar extenuado.
Estar extenuado por ter privilégio não é exatamente um lugar-comum. Usar o pau pra mijar e somente pra mijar é no mínimo estranho, pra não dizer loucura. Ser são implica foder todo mundo? Homem preto que fode todo mundo, apenas isso é ser são?
O que esse homem preto pode/deve ser?
O corpo-alvo é o corpo carregado de signos comportamentais prévios, conceituações que não são comprovadas de fato, mas funcionam como operadoras de sentido. Como se soubéssemos exatamente o que aquele corpo vai fazer e falar diante de determinada situação. E aí criam-se estratégias tanto para potencializar quanto para podar os comportamentos prévios.
A bala é uma poda. Fazer acreditar que a ereção é o caminho é potencialização. Todos, face da opressão. Opressão que se torna tragédia particular. Opressão que se torna tragédia para todo o mundo.
O homem preto enquanto potência é um posicionamento de conforto, mesmo com o corpo em sua função normativa funcionando em sua plenitude. Uma plenitude que traz privilégios e que talvez não valha a pena combater. Não vale a pena deixar o conforto em busca de uma ressignificação enquanto homem preto?
E aí bater na hipertrofia, na heterossexualização, é um caminho viável, mas bater para ser exatamente o quê? O que esse homem preto pode/deve ser? O que é esse corpo preto combatendo a opressão?
Repensar relações, olhares, disposições. Diante da militância, da afetividade, da paternidade, da mulher preta. Um homem preto que entende o apontamento histórico subalterno e sua limitação diante do que é a sua força e o que é sua intelectualidade. A partir disso, entender que justamente o rompimento de sua condição imposta é a horizontalidade com os seus pares.
Entender a dor, curar a ferida
A questão afetiva tão crônica em que o gozo vira o produto final, sem levar em consideração a parceira e sua vulnerabilidade, tanto no trato como no consequente abandono. Reproduzir isso ad aeternum, na sua condição trágica de reprodutor e todos seus imperativos de submissão da mulher preta aos seus caprichos, como se sua condição, imposição branca heteronormativa, fosse a justificativa máxima para continuar assim, desse jeito, sem pôr, nem tirar.
E o combate a esse tipo de comportamento é justamente entender a mulher preta como par, como alguém com quem, ombro a ombro, atravessa-se o rio de mãos dadas, com inúmeros perigos, inúmeros, mas sua capacidade de enfrentamento está justamente em ter a mulher preta ao seu lado.
Homem preto hétero é foda! É foda perceber o quanto se é açoitado e também perceber que se manipula o açoite de maneira eficaz. Recebe uma dor particular e atua numa dor coletiva. Repensar o imaginário e não se aproveitar do mesmo, eis a questão.
Entender a dor, curar a ferida. Detonar o chicote, para não bater no seu corpo e não usar no corpo: da preta, do filho, da heteronorma, do mundo.
Temos que viver! Como? Sem opressão já dá pra se valer.
Fábio Emecê é escritor, poeta, rapper do coletivo Faixa de Gazah, brincante no Griot – Pesquisa, Difusão, Memória e Tradição em Cultura Popular Brasileira, professor de língua portuguesa e de literatura.
Ilustração: Bianca Muto.