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Como mudar os rumos da política nacional?
A trejetória da campanha #VoteLGBT nas eleições de 2014. Por Giovana Bonamim, Gui Mohallem e Marcos Visnadi
O forninho caiu
Em 2010, os principais concorrentes à presidência se estapeavam para agradar conservadores, declarando-se contrários à legalização do aborto. Este ano, a pauta do dia dos direitos sexuais moveu-se para os direitos LGBT, e Dilma Rousseff, Aécio Neves e Marina Silva se apressaram a dizer, com quase todas as letras, como eram favoráveis à criminalização da homofobia, por exemplo.
Apesar dessa aparente melhora no debate eleitoral, não há muitos motivos de comemoração. O aborto segue sendo tabu num país em que sua prática clandestina é a quinta causa de mortalidade de mulheres grávidas. E, apesar do tratamento favorável de alguns direitos LGBT pela grande mídia e pela maior parte das candidatas e candidatos à presidência, o Brasil é o país com maior número de assassinatos por LGBTfobia no mundo, incluindo um dos casos que causou maior comoção este ano: o do jovem João Donati, de 20 anos, em Inhumas (GO), no dia 12 de setembro. Além de protestos em todo o país, a reação a esse assassinato parece ter consolidado a guinada pró-LGBT do debate eleitoral, inaugurada quando a retificação do programa LGBT de Marina Silva foi atribuída aos tweets raivosos de Silas Malafaia.
Terminado o primeiro turno das eleições 2014, sabemos que esse quiproquó todo não resultou em um Congresso Nacional menos conservador, muito pelo contrário. Mas, se não podemos ficar felizes com o resultado das eleições e muito menos com a chacina LGBTfóbica que ocorre no país, de uma coisa podemos nos orgulhar: a capacidade de resposta e de organização da comunidade LGBT furou o bloqueio do conservadorismo e acenou para uma melhor representação dessa comunidade dentro do Legislativo. O debate está plantado: não basta pensar somente nos cargos executivos.
Muito trabalho ainda precisa ser feito, mas sem dúvida começamos algo diferente nestas eleições. E a campanha #VoteLGBT fez parte disso.
Ou acordamos agora ou
No começo de agosto, vimos este vídeo de Giovanna Castro Melo, articulando a indignação que sentíamos com a oportunidade que tínhamos de levar nosso protesto não só às ruas, mas também às urnas.
O vídeo de Giovanna nos despertou e fez com que tivéssemos a ideia de fazer a campanha #VoteLGBT, retomando algumas conclusões extraídas da pesquisa para a Geni que Giovana Bonamim havia começado a publicar, como uma série de matérias, em março. O projeto, que visava mapear os coletivos de mulheres e LGBTs nos partidos políticos brasileiros, acabou não indo pra frente porque não houve respostas e boa recepção por parte dos partidos, que não aceitaram debater pautas pró-LGBT. De qualquer forma, as informações recolhidas e a falta de abertura dos partidos serviram de impulso para outro mapeamento: o de todas as candidaturas pró-LGBT ao Legislativo, tanto em nível estadual quanto federal.
Por que somente legisladores?
A opção de se ater ao Legislativo se deu basicamente porque as pessoas costumam dar menos atenção às eleições do Legislativo, como se elas fossem menos importantes. Não são! O Legislativo é quem faz as leis, podendo travar ou impulsionar o Executivo. Dar muita atenção aos cargos executivos, como o de presidente, nem sempre resultará em efeitos benéficos, porque quem for eleito precisará do apoio do Legislativo. As ameaças que a Frente Parlamente Evangélica representa são a prova disso.
Além disso, na pesquisa para a Geni tínhamos descoberto que os coletivos e as candidaturas LGBT são marginalizadxs dentro dos próprios partidos. Na maioria das vezes, elxs não contam com os mesmos recursos que os demais candidatos. Têm menos tempo na TV, não têm destaque nos sites. Assim, o site do #VoteLGBT funcionou também como uma plataforma para dar visibilidade a candidaturas que os partidos, muitas vezes, silenciavam.
Nosso mapeamento (que levou pouco mais de um mês) chegou ao dia 4 de outubro, véspera das eleições, com 270 candidaturas pró-LGBT de todos os estados do Brasil. Acreditamos que tenham existido mais candidatos, mas essa foi uma das primeiras iniciativas de gerar um sumário abrangente e disponível para todxs xs eleitorxs, independentemente de suas preferências partidárias. Cada candidatura foi analisada segundo critérios específicos e entramos em contato com cada uma delas, pedindo que respondessem uma pequena entrevista. Logo de cara, recebemos uma cobertura até que grande da imprensa, além de elogios do deputado Jean Wyllys (ainda o único LGBT assumido no Congresso Nacional).
Choque de monstro, meu amor
O mapeamento de candidaturas foi apenas um dos nossos objetivos. O outro era divulgar a própria campanha, ou seja, a importância de buscar representantes no Congresso e nas Assembleias Legislativas que assumissem publicamente e estivessem efetivamente comprometidos com os direitos LGBT.
Se tem tantas LGBTs e simpatizantes no Brasil, em quem elas estão votando? Por que o resultado das urnas segue sendo conservador? Por que tantas LGBTs não estavam dando atenção para a política?
Vimos que era necessário mostrar que a política pode mudar muitas coisas.
Quando a gente começou esse projeto, o tom das imagens e dos textos era bem parecido com o que costumamos usar na Geni.
Logo isso virou um problema. Afinal, a quem a campanha era direcionada? Não só às LGBTs, pensamos. A gente queria muito chegar nas e nos simpatizantes, pessoas hétero e cissexuais que não são LGBTfóbicas e que estariam dispostas a sair do armário do preconceito e encampar a nossa luta. Então, o pajubá e o X guerrilheiro dos nossos primeiros textos foi dando lugar a um material mais palatável, direcionado ao “público em geral”.
Essa transição do discurso “destruidora mesmo” pro hétero friendly foi a coisa mais esquisita de toda a campanha. Até onde estávamos dispostas a ceder a uma imagem LGBT mais fofa e limpinha? Pensávamos que poderíamos falar com todos os públicos ao mesmo tempo, inclusive para oferecer ferramentas de negociação para LGBTs no contato/conversa com pessoas hétero e cis que pudessem ajudar na nossa luta, amolecendo setores conservadores. Mas não tardou para que uma imagem se transformasse numa crise:
Um monte de sapa caminhoneira e de bilu pintosa amou nossa provocação sapatânica. Mas, por outro lado, essa foi nossa imagem mais criticada de todas. Choveram comentários de gente dizendo que não tinha gostado nem um pouco e que achava que estávamos botando a campanha em risco, dando combustível pros fundamentalistas nos atacarem. Coincidentemente ou não, esses comentários (assim como a maioria das críticas que recebemos ao longo da campanha) foram feitos por homens cis.
Com dor no coração, decidimos retirar esse meme do ar e, a partir de então, deixar a campanha ostensivamente inofensiva para quem não está acostumado com a diversidade de fato. A fofura venceu a fechação.
Foi uma boa decisão? Preferimos deixar a pergunta do que advogar qualquer resposta. O que você acha?
Somos todo mundo
Mas a gente não está reclamando da fofura, de jeito nenhum! Afinal, não se vive só de susto. E essa nova estratégia rendeu alguns dos melhores materiais da campanha. Inclusive o melhor jingle político de todos os tempos, composto e gravado por Karina Buhr, “Somos todo mundo”. A música rendeu um clipe com ilustrações de Laerte Coutinho e algumas das centenas de fotos que recebemos de gente segurando cartazes com a hashtag da campanha <333.
Apoios de outras pessoas famosas, como a cantora Pitty e a apresentadora Sarah Oliveira, também foram essenciais para que a campanha viralizasse e saísse um pouco do nosso controle, o que trazia uma ou outra preocupação, mas que era o nosso objetivo desde o começo. Somos muito gratxs a todo mundo que tuitou, conversou, espalhou a ideia #VoteLGBT. Também ficamos muito felizes com muitas pessoas que apareceram querendo ajudar, algumas delas entrando de cabeça na coordenação da campanha e se tornando nossas amigas. Estamos todxs juntxs.
Agora, poucos dias após o fim da campanha, estamos meio zonzas de cansaço. Setembro foi um mês intenso, de muito trabalho. E ainda não tivemos tempo de decidir qual exatamente será o futuro da campanha e do nosso trabalho conjunto. Estamos aceitando sugestões e, quem quiser entrar no barco com a gente, é só avisar. Por enquanto, temos apenas uma certeza: a nossa luta não termina na urna. Aliás, ela está só começando.
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Ilustrações: Bruno O., Cecilia Silveira e Emilia Santos.