relato
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Por causa da mulher
O que veio depois do “é uma menina”. Por Diego Garcia
Publicado em 09/03/2016
Sempre disse que queria ter um filho. Talvez por preguiça linguística, nunca me passou pela cabeça dizer “sempre quis ter um filho ou filha”, mesmo que o sexo, pensava, não fizesse diferença. Um dia, Clara me chamou no banheiro e mostrou o teste de gravidez. Chorei por 5 minutos, sentado na banheira, sustentando o teste à altura dos olhos.
A reação na primeira vez que senti o chute pela barriga de Clara também foi de choro. Houve outros momentos de emoção durante esse primeiro semestre de gravidez. As lágrimas sempre estiveram associadas a uma alegria confortável e cômoda. Vinham carregadas de imagens de um menino. E também nessas imagens, um pai sábio que teria um baú cheio de experiência de onde, quando necessário, tiraria a palavra certa, o comparativo adequado, para solucionar as dúvidas e angústias desse menino. E quando adolescente, eu com esse vasto conhecimento empírico do que é fazer merda entre os 15 e 20 anos, tiraria de letra as cabacisses desse meu rebento. Eu já teria tudo preparado. A vida já teria me ensinado.
Evidente que percebia que essa visão estava muito associada a uma idealização do que seria a minha conversão para pai. Muitas vezes tentava ser são, mas era só me distrair que já estava pensando sobre “o filho que eu quero ter”, como diz a canção.
Ultrassom com legenda
Creio que foi na 32º semana de gestação que fizemos um ultrassom e, sem que perguntássemos, a imagem borrada e em preto e branco veio com a legenda “é uma menina”. Não chorei. Lembro que larguei a mão de Clara e fiquei em silêncio. De soslaio, percebi que Clara olhava pra mim contente, como para compartilhar o momento. Fingi que não vi, e sinceramente, queria estar sozinho.
Não sei se foi essa desatenção com a língua, mas o “filho” que empregava no final da minha frase “quero ter um …” realmente me fez não levar em consideração gerar uma menina. E me surpreendeu o misto de sentimentos que começaram a habitar meu peito; amor doido, medo, euforia, agonia… me senti perdido. Me pus a analisar esses sentimentos e sua causa. A primeira coisa que me veio foi essa quebra de idealização furada que eu vinha moldando em ser um pai seguro, sábio. Aliás, a parentalidade, pra mim, se mostrou como um mundo obscuro e grave. Para um homem mediano como eu, foi um tapa na cara e um chute na consciência, era alguém dizendo “você ainda não aprendeu nada, garoto”.
E se esse mundo estranho e urgente que é ter um bebê em casa não me bastasse para aflorar todos os meus medos e expor meus limites, uma menina, meu deus!
Um dia estava no Uber conversando com o motorista e ele me disse que tinha uma filha de 4 anos. Disse que sempre foi um “jeca” e que antes da filha nascer já falava pra sua mulher que até ajudava na troca de fralda, mas banho não daria. A mulher se fazia de desentendida. Quando sua filha nasceu, não demorou muito e a esposa precisou que ele desse banho na bebê. O motorista me disse que achava um absurdo, mas devido a situação, foi banhar a filha, e nisso, se passaram 4 anos e até hoje ela toma banho com ele. Lembrei dessa conversa enquanto limpava minha filha. Era uma sensação estranha lidar com aquele corpinho no começo.
Em uma festa com amigos de longa data, vi a filha de 15 anos de um grande amigo. Eu a tinha visto crescer, e naquele dia, de mini shorts e com os seios desenvolvidos, me sentia constrangido de direcionar meu olhar para ela. Primeiro pensei em como meu amigo lidava com isso, e depois, percebi que aquele mal-estar só vinha de mim.
Teresa
Sempre tentei ser razoável nesse aspecto, mas eu só tinha o mundo masculino heterossexual como referência formativa. Descobri que tinha algumas travas herdadas de um mundo machista. Agora com Teresa, me via ressignificando o corpo feminino. Aliás, essa ressignificação já vinha desde os primeiros momentos em que vi a barriga de Clara crescer.
Essa nova forma de olhar o corpo feminino somada a uma certa ignorância acerca das questões femininas me dava medo. Eu simplesmente não sabia (e não sei) como é a infância de uma menina, não sabia como era a adolescência de uma menina. Não sabia o que era essa relação de pai pra filha. Só conhecia a de pai pra filho.
Minha filha tem agora 07 meses e sinto que ainda tenho bastante tempo para pensar a paternidade. Há uma cultura toda dada e quase imposta que a colocará num lugar de cuidado em relação aos meninos. Como se ela estivesse fadada a ser ingênua e vítima. E eu, programado para sentir ciúme do primeiro namorado (isso porque a possibilidade de uma primeira namorada não existe nessa cultura que estou descrevendo), ser omisso em suas questões pessoais e ser apenas a figura do macho protetor e provedor. Essa cultura está do lado de fora da nossa casa. Aliás, quase não se vê em nossos círculos sociais, mas é só atravessar a rua que a cultura esta lá, forte e predominante, batendo panela.
Espero não ser omisso, espero dividir meus medos e defeitos com minha filha. Espero sempre lembrar do sentimento que me invadiu naquele dia em que soube que seria uma menina. Nunca me fez tanto sentido o que Gil disse: “Quem sabe, o super-homem venha nos restituir a glória mudando como um deus o curso da história por causa da mulher”. Teresa veio pra me lembrar que o mundo é preguiçoso e eu fazia parte dele. Me parece que para amá-la direitinho, vou ter que me mexer e mexer no mundo.
Diego Garcia é videomaker e pai de Teresa. Tem o blog www.quandonasceumpai.com onde produz vídeos e textos sobre paternidade.
Ilustração: Bianca Muto