editorial
corpo, editorial, número 2, política, protestos, Ruth Steyer
As potências do corpo
Quebrar as gaiolas para poder voar e cantar
Rosa Luxemburgo não queria ser convidada para uma revolução em que não pudesse dançar. As ruas do Brasil seguem ocupadas, cheias de gente se movimentando. As bombas e os helicópteros da polícia ainda soam, tentando se sobrepor aos gritos. Mas os corpos resistem, se juntam novamente depois de dispersados. E não se calam, ainda que estejam em silêncio.
No fim de 2012, os zapatistas fizeram a impactante marcha silenciosa pelos territórios mexicanos, com infinitas filas de pessoas encapuzadas sem proferir uma única palavra. “Escutaram? É o som do seu mundo desmoronando. É o som do nosso ressurgindo.”
Entre barulho e silêncio, cá esta a revista Geni, na trincheira, tentando apontar para as dimensões do gênero e da sexualidade em seu sentido político. E nossa trincheira é livre, horizontal e independente.
A mídia livre é diferente daquela que dá ênfase a desastres no jet set do Leblon, sendo omissa (e, portanto, conivente) diante dos desaparecimentos de Amarildos nas periferias do Brasil. A mídia livre não quer o mercado, e por isso pode – e deve – dar mais valor às pessoas do que ao dinheiro e ao poder.
Voos altos e mergulhos fundos
Por não estarmos atadxs ao mercado, também podemos nos livrar da separação rígida entre gêneros a que as revistas comerciais parecem fadadas, como mostra o artigo de Pedro “Pepa” Silva, na seção Memória. Isso nos dá liberdade para experimentar um corpo mais desconhecido, mais livre de expectativas, pleno de possibilidades.
Para esta edição, tivemos o enorme prazer de entrevistar uma das maiores conhecedoras do imaginário erótico no Brasil, a professora Eliane Robert Moraes, que nos deu uma aula sobre a arte que transtorna, que não sequestra o nosso desejo, mas o deixa livre para os voos mais altos. O ensaio fotográfico de Gui Mohallem e a pesquisa acadêmica de Fernando Matos também desbravam esses caminhos, e desbravadora foi a vida do cantor português António Variações, esse que “dava de ombros para o ruído dos corvos e atravessava a cidade sendo o outro dos outros, si mesmo”, como nos conta Júlia de Carvalho Hansen.
Os corvos, no entanto, estão continuamente à espreita, e às vezes é impossível nos livrarmos de seus ataques. Na Rússia, LGBTs estão sendo perseguidxs pelo governo, presxs, torturadxs. No Egito, o que parecia uma rebelião popular por liberdade e justiça transformou-se num assustador cenário de violência contra as mulheres. E, nos EUA, o patriarcado atinge proporções imperiais e ataca pela via da cultura, violentando as mulheres nas telas de cinema.
Com tanta bosta jogada, seguimos – e não só não nos rendemos, como cantamos. Talvez o texto que mais nos tenha tocado este mês seja o da coluna do Luiz, que nos apresenta seu generoso tio. Neste mundo desesperador, também ele nos dá um exemplo de liberdade e resistência.
A gente não pode deixar de agradecer a importantes companheiras, que ajudaram a Geni a estrear mais uma vez. Adriana Rinaldi e Ecila Cianni não participam diretamente do coletivo, mas arrocharam na revisão dos textos! A jornalista Nana Caetano nos ajudou muito com uma aulinha dominical sobre como editar uma revista. E nossa ilustradora convidada Ruth Steyer produziu, junto com xs ilustradorxs do coletivo, as imagens bafônicas que você vê aqui.
A Geni articula vozes distintas, e sabemos que muita gente ainda está descobrindo as relações entre os universos aqui reunidos. Para nós, acredite, este também é um mundo novo. Por isso, o que queremos é quebrar as gaiolas que nos isolam – e alçar voos mais altos, com toda a galera.
Ilustradora convidada: Ruth Steyer.