Geni é uma revista virtual independente sobre gênero, sexualidade e temas afins. Ela é pensada e editada por um coletivo de jornalistas, acadêmicxs, pesquisadorxs, artistas e militantes. Geni nasce do compromisso com valores libertários e com a luta pela igualdade e pela diferença. ISSN 2358-2618

editorial

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Viva sapata!

Geni celebra o mês da Visibilidade Lésbica


japanese lesbian lovers cecilia silveira

 

Sim, sou tríbade, sáfica, lésbia, lesbiana, entendida, invertida, transviada, sapatão, sapa, sapata, francha, bolacha, fanchona, paraíba masculina, mulher-macho, gay, sim senhor, machuda, macha, dyke, como dizem as americanas, ou como as mexicanas, tortillera, do tupinambá çacoãimbeguira, do latim virago e, brasileiramente falando, roçadeira, saboeira, moquetona, madrinha, pacona, do aló, do babado ou, se preferirem algo mais erudito, ginófila, andrógina, homófila, fricatrix e homossexual.

 

 

 

Vinte e nove de agosto é o Dia Nacional da Visibilidade Lésbica e a Geni resolveu ralar mandioca, colar velcro, fazer sabão, ou melhor, fazer o que a gente sempre faz: rebolar e jogar amor no mundo, mas desta vez abrindo alas e acendendo holofotes pras lésbicas entrarem, brilharem, voarem.

 

 

 

Podem me chamar de tudo isso, eu não me importo. Se me chamam de lésbica ou safista, sinto orgulho e me envaideço: a origem dos termos é nobre. Safo, a grega, foi a maior poeta lírica da antiguidade, cultuada por Platão e Ovídio e sucesso no Mediterrâneo cinco séculos antes de Cristo. Por acaso, fazia sexo com mulheres, vivia na ilha de Lesbos e, para tocar sua lira e manter as unhas curtas, inventou a palheta, a mesma que roqueiros usam para fazer gemer suas guitarras. Bons dedos e boa lábia. Por que me ofender se me chamam lésbica?

 

 

 

Nossa entrevistada do mês é a poderosa MC Luana Hansen, rapper que é presença certa em protestos, marchas e ocupações e que luta contra o machismo e a lesbofobia no rap nacional. E, na seção Perfil, apresentamos um grupo de dykes que incendiou o cenário político estadunidense: as Lesbian Avengers, responsáveis por uma marcha de 20 mil lésbicas que tomou Washington D.C. em 1993.

Além disso, relembramos o primeiro filme sapatônico do cinema brasileiro, resenhamos um livro sobre visibilidade lésbica e trazemos uma reflexão de Bruna Andrade Irineu, professora da Universidade Federal do Tocantins, sobre o casal Clara e Marina, da novela Em família, da Rede Globo.

Mas também contemplamos outros assuntos na edição deste mês, que está especialmente internacional. Lia Urbini foi até o Japão e conta o que viu lá; Juliana Bittencourt nos traz notícias dos coletivos feministas da Costa Rica em seu segundo texto com a Caravana Climática; e Gabriel Semerene fala sobre como Israel usa a causa LGBTQ para dissimular os ataques em Gaza e o genocídio do povo palestino.

 

 

 

Sou entendida sim, mais em certos assuntos que em outros, por isso talvez ginófila seja apropriado, afinal, amo e admiro mulheres em geral, mesmo sendo apaixonada por apenas uma, em particular. Sapatona, adoro usar coturnos, botas e toda sorte de calçados rudes para sair às ruas, domínio tradicional do macho, terreno muito acidentado para saltos altos.

 

 

 

Não deixamos de notar o fato de não termos uma maioria de textos escritos por lésbicas na edição da revista sobre visibilidade lésbica. Significa? Significa.

 

 

Fazemos, então, um convite a você, lésbica, sapatão, fufa, a rebolar junto com a gente nas próximas edições.

 

 

Masculina, sim, também, às vezes, quase sempre e sempre que quero. Freud falou, Jung disse, o ministro da cultura cantou e lendas e folclores antigos apontam para a origem andrógina do ser humano. Além disso, até a nona semana de gestação, fetos de ambos os sexos parecem idênticos. Se biologicamente herdamos um potencial andrógino, o casamento alquímico entre homem e mulher dentro de nós é meta para a saúde psicológica. Assim, ser chamada de machona é elogio para quem trafega livremente entre os gêneros masculino e feminino, social e historicamente cindidos.

 

 

Não poderíamos deixar de prestar nossa homenagem, nesta edição especial, à cantora, escritora e garota irada Vange Leonel, que nos deixou no mês passado, aos 51 anos. Vange foi uma referência para meninas do Brasil inteiro nos anos 80, 90 e 2000, e continuará sendo, temos certeza, por seu pioneirismo, sua força, sua alegria e sua coragem.

Além da coluna de Dona Neusa Sueli e de versos espalhados em forma de epígrafe por esta edição, lembramos Vange neste editorial. Os parágrafos em itálico, percorrendo as nossas pernas, formam uma coluna dela publicada na Revista da Folha em 5 de dezembro de 2004 chamada “Ninguém vai me ofender”. E nós dizemos junto com ela:

 

 

Resumindo: ninguém conseguirá me ofender me chamando por nomes que significam apenas o meu amor por outra mulher.

 

 

Coletivo Geni, agosto de 2014

 

 

Ilustração: Cecilia Silveira.

Ilustrador convidado: Samuel Ornelas.

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