editorial
editorial, movimento social, número 15
O movimento é sexy
Protestar não é crime, é uma delícia!
Todo mundo ficou preocupado: o coletivo Geni estava sendo investigado pela polícia! Mas, calma, ainda não foi dessa vez. Até onde a gente sabe, nós, da revista, ainda não caímos nas garras da repressão policial que está perseguindo manifestantes do Brasil inteiro, num conluio entre mídia, governos e fardas.
Tratava-se de um coletivo Geni do Rio de Janeiro, da Frente Independente Popular (FIP), que teve 23 de suas/seus integrantes presxs – inclusive a mais perigosa terrorista do país, temida por 10 entre 10 cidadãos de bem, a monstruosa Sininho.
Em entrevista ao Último Segundo, Sininho diz que um dos motivos pelos quais se tornou um dos principais alvos da recente criminalização dos protestos foi o machismo: “Pela sociedade conservadora, paternalista, é mais fácil a tentativa de destruir a identidade feminina com fofoquinha, com histórias do meu relacionamento, dizendo que sou histérica…”.
O machismo, de fato, está presente em toda a fala aloprada de Felipe Braz Araújo, um dos principais informantes da polícia, que deu esta entrevista bizarra ao site O Dia. Nessa notícia, de 24 de julho, é que aparece o nome do coletivo Geni da FIP, que, segundo Araújo, tem o objetivo de espalhar “a ideia de revolta e ódio contra o sexo masculino”.
#SomosTodasGeni
Não temos absolutamente nenhuma relação com a FIP nem com a Geni irmã carioca. Mas a gente se solidariza muito com todxs xs presxs políticxs. Que, pelo menos no caso do Brasil, são TODXS xs presxs, como bem apontam as Mães de Maio: “O Estado Penal-Militar que agride e prende manifestantes à luz do dia é o mesmo que, de maneira ainda mais brutal, persegue e aniquila a juventude preta e pobre nas quebradas. A mesma seletividade penal pela qual se varre centenas de milhares de jovens pobres e negros para dentro de presídios superlotados e degradantes é aquela que permeia o discurso dos ‘presos políticos’”.
Nós, aqui, gostaríamos de notar ainda outra coisa: certamente não é casual que compartilhemos o mesmo nome do coletivo feminista da FIP. Tem outros coletivos brasileiros que usam a personagem da música de Chico Buarque como símbolo de resistência e de luta. Se a gente não tiver mais nada em comum, pelo menos temos duas coisas: levamos pedradas e resistimos a elas!
Esse bafafá todo fez com que a gente quisesse fazer uma edição sobre movimentos sociais. E o tema veio bem a calhar para este mês de setembro, já que acaba de ocorrer o Plebiscito Constituinte, e agora se completam os 150 anos da Primeira Internacional.
Nas barricadas e nos plebiscitos
Há um século e meio, em setembro, em Londres, formava-se a Primeira Internacional, também conhecida como Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT). Pressionando pela abolição dos exércitos nacionais, por direito à greve, coletivização dos bens de produção e redução das jornadas de trabalho, a associação teve um importante papel na união das lutas de trabalhadorxs na Europa, juntando sindicalistas, anarquistas, marxistas, republicanos e democratas radicais. Chegando a 5 milhões de membros de acordo com o relatório da polícia da época, ou 8 milhões, de acordo com os próprios jornais da AIT, os encontros e atividades da associação culminaram na Comuna de Paris, em 1871, considerada a primeira experiência moderna de governo popular. Pelos curtos, mas memoráveis, 40 dias, houve separação entre Igreja e Estado, educação gratuita, secular e compulsória, igualdade de gênero em geral, classes mistas nas escolas, tratamento igualitário para estrangeirxs, entre tantas outras conquistas…
Cento e cinquenta anos depois, muitas dessas reivindicações são retomadas no Brasil. Movimento de Mulheres Camponesas, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, Movimento dos Atingidos por Barragens, Movimento Camponês Popular, Marcha Mundial das Mulheres, Coletivo de Entidades Negras, Central de Movimentos Populares, Conselho Indigenista Missionário e muitos outros movimentos e/ou associações realizaram um plebiscito popular para promover uma Constituinte Exclusiva Soberana do Sistema Político, por cidadãos e cidadãs eleitxs exclusivamente para mudar o sistema político, e não pelo Congresso Nacional. A luta é para reverter a sub-representação das mulheres, indígenas, jovens e negrxs na política nacional.
A quantidade de movimentos por igualdade de gênero que perpassam esses dois momentos históricos mostra que a nossa luta não é só necessária: ela é imprescindível. As Genis sempre estiveram presentes
Na edição deste mês, seguimos dando nossa pequena e abusada contribuição para a continuidade da luta das Genis de todo o mundo. Da entrevista com o pioneiríssimo (e nervoso) militante João Silvério Trevisan ao novo cicloativismo feminista, das conquistas pelo casamento igualitário no Chile aos novos desafios do casamento igualitário no Brasil, da importância da literatura escrita por mulheres negras à resistência contra o genocídio do povo negro brasileiro, esta edição tenta seguir o rebolado de inúmeros coletivos que, ao lutar pela sua sobrevivência, quebram paradigmas e requebram na cara da sociedade.
E, para nos situar nesse debate, Lia Urbini faz um texto instrumental sobre a teoria dos novos movimentos sociais.
De todo o bafafá desta edição, a gente conclui uma coisa muito simples, mas que precisa ser repetida: o movimento é sexy! E a gente não pode parar ele.
Coletivo Geni, setembro de 2014
Foto: Gui Mohallem.
Modelo: Bill Santos.
Ilustrador convidado da edição: MZK.