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editorial, Estado laico, Marco Feliciano, número 4, religião
#ForaFeliciano
Se a sua pomba não gira, não tente parar a nossa!
No dia 15 de setembro, duas meninas se beijaram durante um culto de Marco Feliciano em São Sebastião, no litoral de São Paulo. Do palco, o pastor reagiu com o mesmo autoritarismo que lhe é característico na Câmara dos Deputados. “A Polícia Militar que aqui está”, ordenou Feliciano, “dê um jeitinho naquelas duas garotas que estão se beijando. Aquelas duas meninas têm que sair daqui algemadas. Não adianta fugir, a guarda civil está indo até aí. Isto aqui não é a casa da mãe joana, é a casa de Deus.”
Poderíamos comentar muita coisa a partir desse acontecimento, mas um dado interessa especialmente a esta edição da Geni. O lugar que o casal de namoradas e Feliciano compartilharam por um breve momento não era, de fato, a casa da mãe joana, mas tampouco era a casa de Deus. Tratava-se de um espaço público, que a prefeitura utilizou para realizar o evento Glorifica Litoral. Isso mesmo, “realizar”, como indica a página desse que se diz “o maior evento gospel do Brasil”, hospedada no próprio site da prefeitura.
Provavelmente não é coincidência que o prefeito de São Sebastião, Ernane Bilotte Primazzi, seja filiado ao Partido Social Cristão, o mesmo PSC de Marco Feliciano. E não deixa de ser curioso que Primazzi, reeleito nas últimas eleições municipais, tenha sido cassado este ano por abuso de poder e uso indevido de jornal para propaganda eleitoral (mais tarde, o Tribunal Regional Eleitoral retirou a cassação e o manteve no cargo de prefeito).
Essa lambança entre política, religião, mídia e polícia, que resultou na detenção arbitrária e na agressão física a um casal de lésbicas, é um exemplo das perigosas relações entre dinheiro, Estado e religião. E, infelizmente, não é exclusiva do cenário brasileiro.
Nesta edição da Geni, nós mostramos um pouco de um dos países que estão na vanguarda da política homofóbica internacional. Uganda tem sofrido uma séria ofensiva de grupos religiosos fundamentalistas dos Estados Unidos, responsáveis por financiar a campanha de ódio que, desde 2009, ameaça transformar a homossexualidade em crime punível com pena de morte. E mais: descobrimos que um dos principais nomes dessa cruzada contra LGBTs também está por trás das recentes leis homofóbicas na Rússia!
Não passarão!
Mas, no que depender da luta cada vez mais organizada de pessoas que se erguem para defender os direitos humanos no mundo inteiro, essa caça às bruxas não vai vingar. Se o incipiente movimento LGBT de Uganda já se mostra tão combativo, a experiência da Argentina na garantia de direitos iguais para héteros e homossexuais é uma prova de que a luta não é fácil, mas também não é em vão.
Nosso entrevistado, Bruno Bimbi, conta a história completa. Um dos principais nomes do vitorioso movimento LGBT argentino, que transformou em realidade o casamento igualitário e a lei de identidade de gênero, Bruno trouxe sua experiência para o Brasil e desde 2010 atua como assessor do mandato do deputado federal Jean Wyllys. Na entrevista, ele desmascara a pose de bonzinho do papa Bergoglio e afirma que o movimento #ForaFeliciano foi o grande precursor das manifestações que tomaram o país em junho deste ano.
Este mês, queríamos fazer uma edição que falasse sobre as relações entre religião, gênero e sexualidade. Como tudo o que fizemos até agora, este também é apenas um pontapé inicial, mas, se pra nós é importante manter o viés político, é igualmente importante garantir a diversidade de pontos de vista, ainda que estejamos apenas começando a conversa. Por isso, publicamos neste número da Geni textos tão diferentes entre si quanto o de Wilson Gomes, que traz uma abordagem histórica dos argumentos falaciosos que usam a Bíblia para pregar a homofobia, e o de Tiago Kaphan, que traz uma abordagem religiosa sobre a homossexualidade, do ponto de vista do espiritismo e do hinduísmo. Além disso, há o bafônico perfil da Pombagira escrito por Alciana Paulino.
É diferente, vem com a gente
Outras participações importantes recheiam a edição deste mês. Continuamos o debate iniciado na edição passada, sobre o uso do xis nos textos da Geni, com a linguista Lígia Xavier explicando por que não são os idiomas que são machistas, e sim as pessoas que os falam. Do Chile, o jornalista Victor Farinelli conta que a tortura sexual na ditadura de Pinochet era um crime premeditado e organizado. E damos as boas-vindas a Sueli Feliziani, que inaugura a coluna Pega no meu Power e quebra tudo ao falar de identidade afro, feminismo e diversidade sexual.
Voltando ao caso de homofobia em São Sebastião, uma das meninas, Joana Palhares, conta que foi agredida com tapas na cara pelos policiais. “Eram três me segurando, mas eu peso 50 quilos. Por que precisaria de três policiais?” No perfil do Facebook, Joana desabafou: “Vergonha de fazer parte dessa sociedade de merda!!! Estou com nojo do meu país e principalmente da minha cidade”.
Compartilhamos a indignação de Joana e sabemos que muita gente por aí também compartilha. Por isso, há cinco meses estamos ocupando a internet e as ruas com o mesmo intuito: pluralizar o debate sobre gênero e sexualidade no Brasil, com uma experiência de militância midiática independente e autogerida. Achamos que, quanto mais pessoas se declararem contra o ódio e a intolerância, mais difícil se tornará a cruzada homofóbica, racista e machista de tipos como Marco Feliciano.
Cada Geni é um convite: vem, vamos juntxs!
Marcos Visnadi
Outubro de 2013