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Geni no Jaguaré
Em outubro a Geni lançou sua quarta edição no CEU Jaguaré, em São Paulo, dentro de uma programação dedicada à diversidade sexual. Por Luiz Pimentel
No dia 5 de outubro, a revista Geni foi se exibir no CEU Jaguaré compondo a programação de um evento dedicado ao debate sobre a diversidade sexual.
Os CEUs (Centro Educacional Unificado) são equipamentos públicos localizados em regiões periféricas, criados à época da prefeitura da Marta Suplicy (PT). São compostos por um CEI (Centro de Educação Infantil), uma Emei (Escola Municipal de Educação Infantil), uma Emef (Escola Municipal de Ensino Fundamental), uma EJA (Escola de Jovens e Adultos) e são equipados com biblioteca, teatro, quadras, piscinas e salas para práticas de oficinas. Os objetivos que orientam o trabalho nos CEUs são o desenvolvimento da criança e do jovem, o desenvolvimento comunitário e ser um espaço de experimentação pedagógica. O projeto do CEU é composto por um núcleo de Educação, um de Cultura e um de Esporte.
O bairro do Jaguaré situa-se na zona oeste de São Paulo, próximo à estação de trem Villa-Lobos Jaguaré. Lá se encontra a maior favela da cidade em área contínua, a Vila Nova Jaguaré. O CEU Jaguaré está no começo da favela, não tendo sido implantado dentro da comunidade, como é o caso de vários outros CEUs, o que dificulta a continuidade de seu diálogo com os moradores do entorno. Inaugurado em novembro de 2009, é um dos CEUs construídos pela gestão de Gilberto Kassab (PSD) –equipamentos com infraestrutura muito inferior às da gestão do PT.
Trabalho nesse CEU como artista-orientador de teatro pelo Programa Vocacional, vinculado à Secretaria Municipal de Cultura. Ao longo desse ano dentro do CEU Jaguaré esbarrei com diversos tipos de preconceito, tanto em espaço de aula quanto em outros espaços dentro do equipamento. Uma espécie de desprezo generalizado pelo outro, uma desvalorização contínua das diferenças.
Talvez porque seja uma característica atual do teatro atrair e acolher figuras um tanto desajustadas e, de alguma forma, fora da normalidade, minhas aulas no CEU são frequentadas, em sua maior parte, por adolescentes com muitas diferenças entre si e peculiaridades inusitadas. Escrevi um pouco sobre isso na minha coluna do mês passado. A temática da diversidade pareceu urgente ao Núcleo de Cultura do equipamento e, no dia 5 de outubro, houve uma programação inteira dedicada ao tema da diversidade sexual.
Alciana Paulino, Carolina Menegatti e eu estávamos representando o coletivo Geni nesse lançamento. Enquanto montávamos a mesa com esmaltes, panfletos do manifesto e espelho, um dos meninos que jogavam bola ao lado se aproxima e pergunta o que era aquilo tudo. Antes que pudéssemos responder, sua curiosidade foi rapidamente zoada por um dos amigos: “Vai pintar a unha, é?”.
“E qual o problema?”, perguntamos.
“Ele não seria mais homem”, foi a resposta sem dúvidas, reta, seguida de uma história de quase horror de umx vizinhx do bairro que havia começado a pintar suas unhas e deixado de ser homem.
Um amigo que chegara antes e estava acompanhando a cena, pintou o dedinho de azul e mostrou pros meninos. Eles apenas reprovaram e voltaram pro jogo.
Na parede em frente ao teatro, estava sendo projetada a revista Geni, e o manifesto impresso era entregue ao público. O público era composto por moradores do Jaguaré, alunos de teatro do CEU, amigos e familiares.
A Geni abriu o encontro. Como aconteceu no lançamento da USP, optamos por apresentar a revista a partir da personagem que lhe dá nome. Contamos a história de Geni e expusemos o processo de organização do coletivo.
Depois do lançamento, houve a apresentação da peça Um dia você vai entender, do Grupo de Teatro Impacto. A peça, que existe há mais de dez anos, exibe em cena o processo de um adolescente que vai saindo do armário. Apesar de seu enredo simples e de alguns clichês na representação de alguns tipos sociais, a recepção da peça foi curiosa. Muitos comentários ao longo da peça (em especial nas cenas de carícias gays): cochichos, olhares curiosos, cabeças que se abaixam e olhos que se fecham nas cenas de carícias, risos altos, assobios, algum tédio e algum espanto.
Uma das cenas mais interessantes da peça é realizada pela atriz e travesti Maryana Mercury, que desce pelo corredor do público e faz um discurso sobre o respeito que exige e sobre o amor que tem em ser o que é. Logo depois a música sobe e ela faz uma dublagem, convidando o público a dançar com ela.
Ao término da peça, as coordenadoras de Cultura do CEU Jaguaré, Jô Pereira e Alessandra Acedo, abriram um rápido debate com o público e chamaram o pessoal da Geni para participar. Alessandra Acedo, recém-eleita conselheira estadual do Conselho Estadual da Diversidade Sexual, a partir de seus 15 anos de ativista lésbica, abriu a conversa posicionando o CEU Jaguaré como espaço de discussão e acolhimento da diversidade.
As intervenções do público no debate foram variadas. Havia curiosidade por parte de alguns de saberem se os beijos trocados pelos dois atores em cena eram de verdade ou técnicos. Um aluno de teatro perguntou se Maryana Mercury é gay. Uma mãe fez um depoimento sobre seu filho, que, segundo ela, é gay, mas não se assume, mesmo ela aceitando esse fato e ela mesma já tendo beijado mulher uma vez. Essa fala causou uma pequena comoção.
Neuza Camargo, professora aposentada e coordenadora da rede Educafro no CEU Jaguaré, lembrou ao público que a discussão sobre diversidade precisa também tocar no elemento raça. Estávamos começando a preparar esta edição de novembro, especial do Mês da Consciência Negra, mas lembramos de dois textos que publicamos no número 4 da revista: o perfil da Pombagira e a coluna Pega no meu Power.
Tendo orientado um processo artístico pedagógico ao longo do ano no CEU Jaguaré, vejo o que aconteceu no dia 5 de outubro com muita alegria e como um acontecimento importante para a instauração do debate sobre diversidade no equipamento. Num bairro tão escasso em equipamentos públicos e colonizado por ONGs e iniciativas privadas, é de extrema relevância que se ofereçam espaços de debate que possam convidar os moradores a se ver fora da lógica do desprezo, da violência e do ódio já tão instaurados pela vida totalmente privatizada. Que esses começos possam perdurar.
Ilustração: Gunther Ishiyama.