editorial
editorial, Marco Feliciano, Mariana Zanetti, Mês da Consciência Negra, número 5, política, racismo
A nossa luta é todo dia
Contra o racismo, o machismo e a homofobia
Segue o show de horrores orquestrado pelos deputados Marco Feliciano (PSC-SP) e Jair Bolsonaro (PP-RJ) no Congresso Nacional. A Comissão de Direitos Humanos e Minorias, presidida pelo pastor, aprovou no dia 16 de outubro um projeto que modifica a lei nº 7.716, de 1989.
Essa é a lei que pune a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. O deputado Washington Reis (PMDB-RJ), autor do projeto, do qual Bolsonaro é relator, quer que a lei não se aplique no caso de “manifestação decorrente do ato de fé” nem na “prática do exercício de culto religioso”.
Na justificação, Reis diz que seu projeto serve para garantir o direito das religiões de discordar da “prática homossexual”. Na verdade, como a discriminação por orientação sexual ainda não é crime, o que o projeto de Reis aprova é que organizações (que se digam) religiosas possam atuar de forma racista e xenófoba com respaldo legal. Ou seja, se alguém quiser legalizar a Ku Klux Klan no Brasil, tá liberado, contanto que tenha “Deus” como argumento.
O bloco na rua
Famosa no começo deste ano, a declaração de Marco Feliciano de que a África é um continente amaldiçoado é apenas uma das provas de que essa nova onda conservadora que se ergue no Brasil não tem como alvo apenas homossexuais – e de que, portanto, as lutas contra o machismo, o racismo e a homofobia devem andar juntas.
O pastor Feliciano não inventou a roda ao relinchar racismo com a Bíblia na mão. A maldição de Cam, que ele invoca para explicar a desigualdade entre negros e brancos, serviu como justificativa histórica para a escravização de africanos por bons católicos durante séculos. A escravidão, aliás, é uma das feridas do passado brasileiro que insistem em não cicatrizar, resultando em dados estarrecedores, como os divulgados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, que mostram que os homens pardos e negros foram as maiores vítimas de homicídio por arma de fogo no Brasil entre 2001 e 2009. No nosso país, a cada três pessoas assassinadas, duas são negras, e um negro ou pardo tem 8% mais de chance de ser vítima de homicídio.
A população negra também é vítima de violência simbólica no Brasil. A escritora Miriam Alves, entrevistada do mês, conta como o mercado editorial concentrado é apenas um dos obstáculos para o reconhecimento de uma literatura negra brasileira. Além das dificuldades para editar suas obras, escritorxs negrxs devem conviver com a constante negação de sua existência, como ficou evidente no episódio da Feira de Frankfurt, ocorrido no mês passado.
Miriam é um exemplo de luta e resistência, e a Geni deste mês está cheia desses exemplos. De Madame Satã ao Partido Pantera Negra, do rap paulista ao feminismo africano, entre a força da mulher negra e a teoria que combate o mito da democracia racial, nós celebramos o Mês da Consciência Negra como um momento estratégico de luta contra todas as opressões. As lutas pela legalização do aborto, pelo transporte público para todxs e pela ruptura do olhar cissexista também fazem parte desse movimento amplo, assim como muitas outras, que travamos cotidianamente, e que nos foram legadas por inúmerxs guerreirxs que vieram antes de nós.
Portanto, este mês não poderíamos deixar de render homenagem a uma grande guerreira, falecida no mês de outubro: Gabriela Leite, uma das fundadoras do movimento pelos direitos das prostitutas no Brasil, que nos ensinou que, para viver dignamente, a gente não pode se esconder embaixo da mesa.
Botando o bloco na rua, a gente mostra que minoria é o recalque dos conservadores. Nós somos a maioria.
Ilustradora convidada: Mariana Zanetti.