editorial
editorial, Gui Mohallem, número 6, violência
Punhos cerrados, peito aberto
Babado, confusão e revolução
Não sei se vocês perceberam, mas há uns dois números a gente aqui da Geni está tentando concentrar nossos esforços em temas específicos. Em outubro, quisemos falar sobre religião e, em novembro, sobre a Consciência Negra. Este mês, o tema que norteou nossas preocupações foi violência.
À primeira vista, falar de violência na Geni não é nenhuma novidade. Afinal, nós nascemos sob o signo da pedrada – e como resposta a ela. Desde junho, quando lançamos o número 0, mensalmente temos debatido questões relacionadas a gênero e sexualidade. E, muito mais do que gostaríamos, a violência tem estado presente nesses debates. Machismos, transfobias, racismos, homofobias, estupros, intolerâncias religiosas nos atordoam continuamente. Bom seria se a única violência que precisasse vir à nossa pauta fosse a da maravilhosa liberdade erótica do Marquês de Sade.
Sem perder a ternura
Mas, ao abordar especificamente a violência como tema, esta edição acaba revelando um pouco mais da cara da Geni. As pedras continuam nos atingindo em cheio. O artigo de Pedro “Pepa” Silva mostra o desespero de viver num país em que o assassinato é a lei, reivindicada a todo instante por diferentes atores sociais. Já a entrevista feita por Cecilia Rosas com o jornalista Sandro Fernandes, que reside há quatro anos em Moscou, mostra o desespero de outro país, em que LGBTs estão sendo perseguidos de modo semelhante a como os judeus foram perseguidos nos primeiros anos do nazismo na Alemanha. E, mais uma vez, a comunidade internacional não está se movendo para deter o massacre.
Essas pedradas certeiras, no entanto, não são a única coisa que temos para contar. Aliás, a gente aposta na diversidade das respostas, mais do que no fatalismo de quem acha que não há nada a fazer. Os movimentos organizados de mulheres que reivindicam suas moradias ou das indígenas que se unem para lutar contra a violência machista que ganha terreno em suas tribos (ao mesmo tempo em que o Estado brasileiro quer tirar o território delas) são duas provas de que a organização coletiva nos fortalece. Daniela Andrade, a ativista que está transformando o mercado de trabalho para transexuais no Brasil, é um exemplo de força e de inteligência. Além disso, podemos usar a linguagem e a reflexão como estratégias não só de resistência, mas de revolução.
Nesta edição, também seguimos com nosso objetivo de melhorar e ampliar o debate brasileiro mostrando experiências de luta de outros países. Após uma temporada no Líbano, Gui Mohallem nos traz um panorama da luta LGBTIQ nesse país, e também a entrevista deste mês, com o cantor Hamed Sinno, que ergue a bandeira do arco-íris e se torna um novo símbolo gay no mundo árabe. E, da Argentina, Aline Gatto Boueri conta sobre o 28º Encontro Nacional de Mulheres, que reuniu 10 mil mulheres cis e trans e homens trans na pequena cidade de San Juan, fazendo edifícios públicos e igrejas se fecharem de medo de que o patriarcado acabe.
Como diz a famosa frase do revolucionário argentino: “Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás”. É necessário endurecer, criar crosta, se armar contra os inimigos. Mas também é necessário manter o coração quente, o peito aberto e o abraço pronto.
Estamos afiando as unhas, esfregando os mamilos e treinando a coreografia pra fazer de 2014 um ano de babado, confusão – e revolução.
Dezembro de 2013
Ilustração: Gui Mohallem.